Por Gustavo Cerezetti
No dia 08 de abril de 2012, lá pelas nove e meia da noite, os dois DJs que tentavam enrolar o público despejando batidas de rap a esmo foram obrigados a ouvir vaias. No Lollapalooza Brasil, realizado no Jockey Club, em São Paulo, o grupo Racionais MC’s atrasava mais de uma hora e alguns espectadores procuravam uma última atração para aproveitar a saideira do festival. Foi quando, com 70 minutos de atraso, uma caveira estampou um telão e, ignorando as vaias, Mano Brown, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue e toda a família Racionais, composta por vinte pessoas, subiram ao palco e entornaram os primeiros versos da clássica “Eu sou 157”. Ato contínuo, as vaias deram lugar a um coro explosivo e fiel, característica em toda apresentação desse grupo que consegue a relevância mesmo com mais de 23 anos de carreira. Mesmo sem lançar um único álbum inédito em dez anos, mesmo suportando a avalanche de novas figuras no cenário do rap brasileiro e mesmo tocando para um público predominantemente voltado ao rock. Raro, muito raro.
Essa raridade do cenário musical brasileiro poderá ser vista pelos bauruenses à zero hora do dia 19 deste mês no Parque Vitória Régia, Bauru, dentro da programação da Virada Cultural Paulista. A entrada é franca e aberta a todos. O grupo esteve presente pela última vez na cidade em 2005 em uma apresentação em uma casa noturna localizada na Rua Azarias Leite e acabou nos jornais da cidade, infelizmente devido a uma circunstância trágica: um jovem de 19 anos morreu em um tiroteio no meio do salão. Em 2003, os Racionais MC’s se apresentaram no mesmo local sem incidentes.
No dia da tragédia, os Racionais MC’s subiram ao palco cantando “Jesus Chorou” e logo após a introdução mítica da canção, o assassinato foi anunciado. Mano Brown, em uma atitude notável, comandou a ordem pedindo para o público deixar a casa noturna. O corpo foi conduzido até o palco e, num ato de fé, o vocalista rezou o pai nosso pedindo proteção ao jovem baleado.
A melhor expressão do rap brasileiro
O grupo surgiu em 1988, com a formação de Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown), Paulo Eduardo Salvador (Ice Blue), Edivaldo Pereira Alves (Edi Rock) e Kleber Geraldo Lelis Simões (KL Jay).
Os primeiros anos do quarteto se limitaram a conquista do próprio espaço na periferia paulistana. Poucas músicas de destaque nesse período, mas algumas memoráveis como “Pânico na Zona Sul”. O primeiro álbum, “Holocausto Urbano”, foi lançado em 1990 pela gravadora Zimbabwe Records e mostrou a brutalidade incômoda das letras do grupo, que denunciavam o racismo e a miséria na periferia da capital marcada pela violência.
O espaço conquistado pelo grupo começava a aparecer gradativamente. Em 1991, os Racionais abriram o show do Public Enemy, pioneiro do hip hop americano com clássicos como “Fight The Power”. O grupo norte-americano inspirou muito a trajetória dos Racionais MC’s com o conceito de violência contra a violência. Além das apresentações constantes e de estarem passando por férteis processos criativos, ainda conseguiam desenvolver projetos sociais em parceria com entidades do governo para melhoria da qualidade de vida na periferia, atitude que conservam até os dias atuais.
Em 1992, foi lançado o EP “Escolha Seu Caminho” com as faixas “Negro Limitado” e “Voz Ativa”. O álbum teve pouco impacto, mas contou com alguns mixes notáveis. Foi no terceiro disco “Raio X Brasil” que os Racionais experimentaram a fama nacional dentro do gênero hip hop até então. Canções como “Fim de Semana no Parque” e “Homem na Estrada” embalaram casas noturnas de rap e rádios voltadas a musica da periferia com samples de clássicos do Soul como Tim Maia, a maioria de autoria da parceria certa entre Mano Brown e Edi Rock.
1997, depois de Cristo, a fúria negra ressuscita outra vez...
Quem nunca cantou um trecho de “Diário de um Detento”? ou de “Capitulo 4, Versículo 3”? Se você não cantou, pelo menos deve ter ouvido alguém soltando as rimas do impactante disco “Sobrevivendo no Inferno”, de 1997, responsável pela fama sem precedentes dos Racionais MC’s e pela popularização do gênero por todas as classes sociais.
Exatos quinze anos após o lançamento do disco, sua influência ainda é grande no circuito do hip hop. Eleito o décimo quarto dos 100 melhores discos da musica brasileira pela revista Rolling Stone, “Sobrevivendo no Inferno” levou o rap para universidades, mesas de bar, casas noturnas, favelas, canais de televisão de classe média e ecoou por toda uma capital que beirava o caos da violência, com uma taxa de desemprego entre os jovens da periferia que passava dos 30%. Um morador do Capão Redondo tinha doze vezes mais chances de ser assassinado do que um morador de outra parte da cidade. O Brasil era o terceiro pais mais violento das Américas. A violência policial atingia milhares de jovens negros diariamente. Contexto histórico infeliz que despertou a criação de um mito da musica brasileira.
Todos os habitantes da capital liam os jornais e sabiam que ao lado, nas favelas, a coisa funcionava assim. Porém, os Racionais cuspiram na cara de uma sociedade que virava a cara para as mazelas da periferia e o racismo. Jovens de classe média cantavam as musicas e compravam o disco para desespero das mães conservadoras. “Sobrevivendo no Inferno” agora figurava na mídia, disputando espaço com bandas como Raimundos e Charlie Brown Jr.
Lançado pela gravadora Cosa Nostra, criação do próprio grupo, “Sobrevivendo no Inferno” atingiu a incrível marca de 200 mil cópias vendidas em apenas um mês. Número que chegaria a um milhão algum tempo depois. O álbum tem mesclas interessantes como misturas de textos bíblicos, depoimentos cortantes, Jorge Ben Jor, samples de clássicos como Edwin Starr, War, Isley Brothers, The Bar-Kays, entre outros. KL Jay, produtor do álbum e profundo conhecedor do hip hop, soube criar atmosfera exata para cada música.
A canção de maior sucesso, com certeza, foi “Diário de um Detento”, chegando a ganhar o Vídeo Music Brasil, da MTV na categoria Escolha da Audiência e Melhor Videoclipe de Rap. Co-escrita por um ex-detento do Carandiru, Jocenir, a canção narra o cotidiano do presídio, nos dias que antecederam ao massacre que matou 111 presidiários. Os Racionais MC’s chegaram a se apresentar no VMB de 1998 e criaram polêmica ao exigir que a MTV abrisse as portas para os “trutas” do grupo. No palco, Pregador Luo, então líder do grupo de rap gospel Apocalipse 16, abriu o show para um Mano Brown ácido com a plateia, em uma apresentação memorável finalizando com uma ressalva: o público-alvo dos Racionais continuava a ser o da periferia. Não era bem assim.
No aniversário de quinze anos, “Sobrevivendo no Inferno” ainda se mostra cruelmente atual, devido à qualidade das letras. A faixa que encerra o álbum “Fórmula Mágica da Paz” se tornou praticamente um hino para os moradores da periferia. A letra mais madura de todas as lançadas até então, a esperança em meio à marginalização ainda pode ser possível.
Em 2002, o último disco dos Racionais “Nada Como um Dia Após o Outro Dia” foi lançado. Disco duplo, dividido em duas partes intituladas “Chora Agora” e “Ri Depois”, possui faixas clássicas como “Vida Loka”, “Vida Loka II”, “Nego Drama” e “Eu sou 157”. Novamente, o foco das músicas era a vida na periferia, exposta em temas como racismo, violência e criminalidade. Disco clássico, outro best seller no gênero.
O DVD “1000 trutas, 1000 tretas” foi lançado em 2006 e apresentava os Racionais Mc’s em exibições explosivas. Os vídeos dos shows podem ser vistos no youtube e ultrapassam milhões de visualizações.
Exatos quinze anos após o lançamento do disco, sua influência ainda é grande no circuito do hip hop. Eleito o décimo quarto dos 100 melhores discos da musica brasileira pela revista Rolling Stone, “Sobrevivendo no Inferno” levou o rap para universidades, mesas de bar, casas noturnas, favelas, canais de televisão de classe média e ecoou por toda uma capital que beirava o caos da violência, com uma taxa de desemprego entre os jovens da periferia que passava dos 30%. Um morador do Capão Redondo tinha doze vezes mais chances de ser assassinado do que um morador de outra parte da cidade. O Brasil era o terceiro pais mais violento das Américas. A violência policial atingia milhares de jovens negros diariamente. Contexto histórico infeliz que despertou a criação de um mito da musica brasileira.
Todos os habitantes da capital liam os jornais e sabiam que ao lado, nas favelas, a coisa funcionava assim. Porém, os Racionais cuspiram na cara de uma sociedade que virava a cara para as mazelas da periferia e o racismo. Jovens de classe média cantavam as musicas e compravam o disco para desespero das mães conservadoras. “Sobrevivendo no Inferno” agora figurava na mídia, disputando espaço com bandas como Raimundos e Charlie Brown Jr.
Lançado pela gravadora Cosa Nostra, criação do próprio grupo, “Sobrevivendo no Inferno” atingiu a incrível marca de 200 mil cópias vendidas em apenas um mês. Número que chegaria a um milhão algum tempo depois. O álbum tem mesclas interessantes como misturas de textos bíblicos, depoimentos cortantes, Jorge Ben Jor, samples de clássicos como Edwin Starr, War, Isley Brothers, The Bar-Kays, entre outros. KL Jay, produtor do álbum e profundo conhecedor do hip hop, soube criar atmosfera exata para cada música.
A canção de maior sucesso, com certeza, foi “Diário de um Detento”, chegando a ganhar o Vídeo Music Brasil, da MTV na categoria Escolha da Audiência e Melhor Videoclipe de Rap. Co-escrita por um ex-detento do Carandiru, Jocenir, a canção narra o cotidiano do presídio, nos dias que antecederam ao massacre que matou 111 presidiários. Os Racionais MC’s chegaram a se apresentar no VMB de 1998 e criaram polêmica ao exigir que a MTV abrisse as portas para os “trutas” do grupo. No palco, Pregador Luo, então líder do grupo de rap gospel Apocalipse 16, abriu o show para um Mano Brown ácido com a plateia, em uma apresentação memorável finalizando com uma ressalva: o público-alvo dos Racionais continuava a ser o da periferia. Não era bem assim.
No aniversário de quinze anos, “Sobrevivendo no Inferno” ainda se mostra cruelmente atual, devido à qualidade das letras. A faixa que encerra o álbum “Fórmula Mágica da Paz” se tornou praticamente um hino para os moradores da periferia. A letra mais madura de todas as lançadas até então, a esperança em meio à marginalização ainda pode ser possível.
Em 2002, o último disco dos Racionais “Nada Como um Dia Após o Outro Dia” foi lançado. Disco duplo, dividido em duas partes intituladas “Chora Agora” e “Ri Depois”, possui faixas clássicas como “Vida Loka”, “Vida Loka II”, “Nego Drama” e “Eu sou 157”. Novamente, o foco das músicas era a vida na periferia, exposta em temas como racismo, violência e criminalidade. Disco clássico, outro best seller no gênero.
O DVD “1000 trutas, 1000 tretas” foi lançado em 2006 e apresentava os Racionais Mc’s em exibições explosivas. Os vídeos dos shows podem ser vistos no youtube e ultrapassam milhões de visualizações.
A postura de Mano Brown
No último domingo, o rapper Emicida, revelação no rap nacional, foi detido em Belo Horizonte por desacato à autoridade devido a um comentário sobre policiais. Não demorou muito para manifestações de apoio ao rapper surgirem nas redes sociais como forma de protesto a detenção e um comunicado aos fãs aparecer no site do artista. Mano Brown, em entrevista a Folha.com no ano passado, disse que, só naquele ano, foi enquadrado pela polícia umas dez vezes, assim como Emicida. Na realidade, algumas polêmicas fizeram parte da vida do líder dos Racionais Mc’s, como a prisão por desacato à autoridade em 2004 ao tentar agredir policiais que o perseguiam. O fato foi pouco divulgado pela mídia.
Essa distinção faz parte da postura sempre reservada dos Racionais Mc’s. Embora haja algumas contradições em atitudes de Mano Brown, como entrevistas esporádicas para TV ou revistas, o vocalista continua reservado em relação à mídia e polêmico quando o assunto é crítica social. Atualmente, o rap nacional caminha para uma mescla entre o pop e o rap militante. Emicida e Criolo, por exemplo, já foram elogiados por Mano Brown pelas atitudes no palco, mas sempre alerta os ouvintes sobre um preconceito da geração atual sobre o rap mais combativo como Dexter e Realidade Cruel.
No show do Lollapalooza em São Paulo, Mano Brown aparece com uma postura mais madura e tolerante. Antigamente, desferia críticas aos chamados “playboys” que escutavam suas músicas, como no VMB, quando disse que a mãe dele havia lavado roupa de muitos “playbas” da platéia. Hoje, as críticas se resumem a política, ao governo de São Paulo, ao consumismo, ao preconceito e alienação.
Hoje, o paulistano de 41 anos, apaixonado pelo Santos Futebol Clube trabalha em parceria com os parceiros no lançamento do álbum novo dos Racionais MC’s que deve sair este ano. Escreveu a canção que serviu de trilha sonora para o filme “Marighella”, cujos ideais Mano Brown sempre compartilhou. O menino que cresceu lendo Malcolm X deixou seu legado impactante e, segundo o rapper Emicida, fez muito mais pela cultura negra e pela sociedade da periferia do que muitas ONGs espalhadas por aí. Um salve para os Racionais MC’s.
No último domingo, o rapper Emicida, revelação no rap nacional, foi detido em Belo Horizonte por desacato à autoridade devido a um comentário sobre policiais. Não demorou muito para manifestações de apoio ao rapper surgirem nas redes sociais como forma de protesto a detenção e um comunicado aos fãs aparecer no site do artista. Mano Brown, em entrevista a Folha.com no ano passado, disse que, só naquele ano, foi enquadrado pela polícia umas dez vezes, assim como Emicida. Na realidade, algumas polêmicas fizeram parte da vida do líder dos Racionais Mc’s, como a prisão por desacato à autoridade em 2004 ao tentar agredir policiais que o perseguiam. O fato foi pouco divulgado pela mídia.
Essa distinção faz parte da postura sempre reservada dos Racionais Mc’s. Embora haja algumas contradições em atitudes de Mano Brown, como entrevistas esporádicas para TV ou revistas, o vocalista continua reservado em relação à mídia e polêmico quando o assunto é crítica social. Atualmente, o rap nacional caminha para uma mescla entre o pop e o rap militante. Emicida e Criolo, por exemplo, já foram elogiados por Mano Brown pelas atitudes no palco, mas sempre alerta os ouvintes sobre um preconceito da geração atual sobre o rap mais combativo como Dexter e Realidade Cruel.
No show do Lollapalooza em São Paulo, Mano Brown aparece com uma postura mais madura e tolerante. Antigamente, desferia críticas aos chamados “playboys” que escutavam suas músicas, como no VMB, quando disse que a mãe dele havia lavado roupa de muitos “playbas” da platéia. Hoje, as críticas se resumem a política, ao governo de São Paulo, ao consumismo, ao preconceito e alienação.
Hoje, o paulistano de 41 anos, apaixonado pelo Santos Futebol Clube trabalha em parceria com os parceiros no lançamento do álbum novo dos Racionais MC’s que deve sair este ano. Escreveu a canção que serviu de trilha sonora para o filme “Marighella”, cujos ideais Mano Brown sempre compartilhou. O menino que cresceu lendo Malcolm X deixou seu legado impactante e, segundo o rapper Emicida, fez muito mais pela cultura negra e pela sociedade da periferia do que muitas ONGs espalhadas por aí. Um salve para os Racionais MC’s.
Excelente explanação! E esse cd que não sai... vem sendo prometido desde 2010... não pode passar de 2012!
ResponderExcluirAbraço
Cara eu tava la em bauru domingo
ResponderExcluirA galera tava em transe showzaco os caras sao fodas demais