Texto e fotos por Renan Simão
Em iorubá, dialeto da África Ocidental, Metá Metá significa três em um. Essa trindade é uma boa maneira de traduzir a música que fazem Kiko Dinucci (violão), Juçara Marçal (voz) e Thiago França (saxofone/flauta) que apresentaram o disco Metá Metá (2011) na última sexta-feira no auditório do Sesc Bauru. O violão de Kiko (Sambanzo e Rodrigo Campos) e o sax e flauta de Thiago (Rômulo Fróes, Rodrigo Campos, Criolo) rasgam o silêncio sem eliminá-lo e abrem caminho para a expressiva voz de Jussara (A Barca) destacada por canções de letras bem marcadas, quase recitadas. A tríade une sonoridades e harmonizam o resultado: a canção.
Em parte com composições de amigos, o show começou com a mesma ordem do disco: “Vale do Jucá”, uma lenda de Siba Veloso; “Umbigada”, homenagem à África de Lincoln Antônio; “Papel Sulfite”, declaração de amor de Jonathan Silva e “Trovoa” canto falado sobre São Paulo de Maurício Pereira.
Essas primeiras músicas, mesmo sendo escolhidas na hora, sem setlist, têm como prioridade as letras e a voz de Jussara. Fazendo caras e bocas, a também cantora d’A Barca esbanja leveza, deixando de lado a potência e mirando na limpidez da voz que desenhava as histórias para o público.
Destaque para “Trovoa”, quando, ao final crescente, Thiago França vai agressivo à flauta e eleva a tensão da música quando durante o agudo pôde-se escutar a respiração do instrumentista e até o som da voz saindo pelo nariz como se cantasse sem abrir a boca. De arrepiar.
O bom público (pouco mais de cinquenta pessoas) não interferia no silêncio do momento. E apesar de a ausência de som não ser técnica inovadora (João Gilberto é silêncio), o violão de Kiko Dinucci mexe com o vazio e faz às vezes de percussão, e Thiago (um dos melhores saxofonistas da nova geração) dá a ambiência aos necessários altos e baixos.
“É quase uma conga”, compara Kiko em conversa após o show. “Essa coisa do silêncio dá pra perceber mais nessa formação. Quando temos a banda por trás o show cresce muito mais, vira uma festa, todo mundo querendo dançar”, diz.
A banda original tem Samba Sam na percussão, Sérgio Machado na bateria e Marcelo Cabral no baixo, que realmente fazem falta. Em músicas como “Onarian”, “Oba Iná”, “Obatalá” e “Ora Iê iê o” (segunda parte do disco, que lembram a sonoridade do afrobeat) o trio consegue crescer com a canção, no entanto a vontade de dançar com levadas, viradas e batuques era maior do que permanecer sentado.
No miolo do show, “Samuel” e “Vias de Fato” mostram a cadência da voz de Kiko Dinucci e o cuidado com letras profundas e mundanas, a primeira de parceria com Rodrigo Campos e a segunda com Edu Batata. A noite também teve espaço para homenagens, duas, aliás. “Tristeza não” (um riff que podia ser do Led Zeppelin, segundo Kiko) e “Mas línguas” de Itamar Assumpção - clara referência para o trio - deram o balanço que a noite pedia.
O silêncio é uma das marcas do Metá Metá, mas não pode responder o que ninguém consegue responder (Cortázar talvez): a definição de um som. Metá Metá foi cadência, vazio-e-voz, quebra, crônica; também melódico, percussivo e grandiloquente.
Contudo, o que mais se destaca é a confluência desses elementos de diferentes origens musicais postas organicamente. Três em um: Metá Metá. Que não consegue ser traduzido, mas faz o que deve: deixa a sensação de escutá-los mais uma vez para tentarmos descobrir outro elemento a cada audição.
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