Cinema Independente: O Rap pelo Rap

28 de abril de 2014
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Por Keytyane Medeiros
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal

Passei alguns dias pensando em como escrever sobre algo que já vi, mas que sei que existe uma expectativa grande em torno dele. A minha expectativa foi - muito positivamente - vencida, alguns meses atrás.

Conheci o documentário “O Rap pelo Rap” antes por uma razão simples: Pedro Henrique Fávero, diretor e idealizador do projeto, apresentou o doc. como TCC, Trabalho de Conclusão de Curso de Rádio e TV na Unesp Bauru, no início de 2014 e fui lá dar uma espiada no trampo.

Produzido entre 2012 e 2013, O Rap pelo Rap contou com a participação e declarações de mais de 40 rappers, MCs e produtores musicais. Estão lá desde os mais antigos como Sandrão (RZO), KL Jay (Racionais) e Dexter até artistas mais novos como Criolo, Shawlin e RAPadura Xique Chico. O doc. também aborda as mulheres na cena Hip Hop, representadas por Lívia Cruz e Carol Konká - um número pequeno, é claro, mas pra falar das mulheres no Rap, seria preciso um outro doc. - e  finalmente, o documentário de Fávero chega à caras de peso na indústria fonográfica independente no Brasil, como Nave Beatz e Daniel Ganjaman.

Pedro Fávero. Diretor, roteirista e idealizador.
Pedro se propôs a nos “mostrar como o Rap é heterogêneo. Que não cabe em rótulos, que muda com o tempo, mas que ao mesmo tempo tem muito a falar e questionar sobre ele próprio”, afirma. Inspirado em Eduardo Coutinho e em outros documentários e filmes do cenário independente, como Mestres do Viaduto e Mr. Niterói, “O Rap pelo Rap” tem um formato próprio. Não conta a história do rap no Brasil dos anos 90 ou 2000 pra cá, através da trajetória de um artista, mas se propõe a dar voz para que os principais ícones e nomes do rap nacional possam expor o que pensam justamente sobre o rap nacional.

Ao colocar vários ícones do movimento hip hop em destaque, o documentário, naturalmente, traz falas que dialogam entre si e outras que se colocam em oposição, como no tópico “A revolução será televisionada?”, que fala sobre a relação do rap com a mídia. E aí que mora a beleza do negócio. Não gera a polêmica de quem está certo ou quem tá errado no rap, são opiniões divergentes, apenas. O próprio diretor destaca que “esse formato se encaixa bem no formato do rap, que não tem um artista referência e sim vários, com diversas opiniões”.

A equipe que realizou essa empreitada com o Pedro era reduzida também. Produzido de modo colaborativo, as entrevistas do doc. eram feitas com uma ou duas pessoas e alguns amigos ajudaram com a identidade visual do projeto. Só com o rascunho do roteiro em mente, pouca grana e uma câmera na mão, o projeto começou. As entrevistas foram feitas em Bauru e em São Paulo e só a edição durou 6 meses. Não me lembro algumas coisas daquela banca de TCC – os professores doutores costumam falar muito – mas lembro que Pedro disse que se viu obrigado a reduzir 6h de material em 73 minutos de vídeo.



“Tentei organizar a edição de forma que ficasse interessante de assistir, com ganchos, falas contraditórias e concordantes entre si, momentos de descontração... pois ficar mais de uma hora ouvindo pessoas falarem pode ser muito maçante”, ele conta. Realmente deve ser chato, mas dessa vez não foi.

A estréia vai acontecer essa semana, no Festival Internacional de Documentários Musicais – IN EDIT BRASIL, no Cine Olido e na Matilha Cultural (abaixo mais info!). Mas ainda vai demorar um pouco para podermos vê-lo pela telinha do PC, O Rap pelo Rap só vai ser lançado na internet em 2015, pois agora o foco está nos Festivais de cinema independente.


Até lá, Pedro tem lançado teasers pela página do Facebook/O Rap pelo Rap e outras redes sociais. Os teasers com o GOG, Mano Brown e Neto (do grupo Síntese) tem recebido bastante atenção entre os fãs do rap e foram publicados em páginas como Rap Nacional DownloadVai ser Rimando e Noticiário Periférico.

Seja como for, muito provavelmente irei ver o doc de novo em São Paulo e deixo aqui, o máximo que posso dizer sobre ele e a impressão de que o cinema independente nacional ganhou mais uma importante e inovadora peça.



***A programação completa do In EDIT Festival você pode acompanhar neste link.
Preparem as pipocas e o refri! 
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Trocando Ideia: Renan Inquérito

25 de abril de 2014
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Integrante do grupo de rap Inquérito e autor do projeto #PoucasPalavras, Renan Inquérito conversou com a equipe do e-Colab sobre Sarau, Rap e cultura Hip Hop. A troca de ideias foi nessa quinta-feira, 24 de abril, no 3º Sarau de Arte Urbana realizado pelo Ponto de Cultura Acesso Hip Hop em parceria com a Oficina Cultural Glauco Pinto.

e-Colab: Você começou em 1999 com o Inquérito e de lá pra cá, muita coisa mudou. Como essa mudança refletiu no cenário do Hip Hop e dos saraus urbanos no interior de São Paulo?

Renan Inquérito: Mano, mudou pra caralho né?! (risos) Tudo mudou, o mundo mudou, as pessoas, a velocidade com que a informação circula, isso muda tudo. Por exemplo, eu ia na galeria, juntava dinheiro três meses pra comprar um vinil importado que custava 50 dólares. E naquele vinil tinha uma música do 2pac (Tupac Shakur, considerado o maior rapper da história) cantada de um lado e o instrumental do outro. E eu pegava o instrumental pra mandar meu rap. Custava dólar, era mó caro. E agora? agora você vai na internet, “baixar todas bases instrumentais do 2pac”, brum. Então mudou, é mais fácil agora. Digamos assim, antes era rua de terra, agora é asfaltadinho, tem ciclovia, faixa para pedestre. Só que outra coisa, abriu pra todo mundo: ruim, bom. Então, da mesma maneira que ampliou os horizontes, a qualidade ficou um pouco prejudicada, mas eu acredito que a qualidade vai sempre superar a quantidade.

Aí o rap também mudou. Veio os rótulos: underground, bate cabeça, gangsta, começamos a ver outras fitas. Era tabu falar de dinheiro no rap, de mulher. Os caras falava que o cara que tinha um UNO era um boy! Quando falava de mulher, a letra era machista pra caralho, até hoje é ainda assim, eu acho, mas mudou. A mulher se impôs no bagulho também. Nós vimos também que tempo não é nada. Tem cara que tá há 20 anos, e tá há 20 anos atrapalhando. Podia ser um produtor, um jornalista, um fotógrafo, não dá pra todo mundo ser MC. A gente precisa de professor de história, só que ele ser do movimento hip hop, de médico do hip hop, de presidente do hip hop. 

e-Colab: Apesar da base do rap ser a poesia, para compor uma música, tem que pensar nos beats, no flow, etc. Então, pra você, existe alguma diferença no processo de produção de uma poesia que vai ser lida e de uma letra de rap?

Renan Inquérito: A poesia, assim como o rap tem que ser livres. Os concretistas, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, são mestres, mas parecia que queria dificultar o bagulho: tinha uma equação matemática para entender o poema! Tinha que ter um formato, tipo uma caixinha. Só que o rap extrapolou o lance da caixinha. Só podia fazer música, quem entendia de música. E o moleque da quebrada que nunca teve a oportunidade de estudar um instrumento, mas queria fazer música? O rap democratizou isso. Muita gente no começo falou “o rap não é música”, porque o rap era efeito de qualquer jeito, mas a gente foi provando, foi pondo qualidade, porque começou precário, era batendo na lata (bate no fogão e faz uma rima). Era lata de lixo na São Bento. Hoje é MPC. Hoje tá aí, pra todo mundo.

e-Colab: Numa entrevista da Bravo! você fala um pouco sobre a auto-estima da periferia. Como você acha que a auto-estima da população que mora na periferia se transformou ao longo do tempo, com a prática dos saraus, que tão estourando agora lá em São Paulo e com o rap, que tá aí desde os anos 80?
Renan Inquérito: O rap trouxe autoestima pro cara da periferia, porque ele parou de ter vergonha de usar a roupa que ele usava, de falar onde morava, de usar o cabelo dele. Porque somos um país um miscigenado, aquela mistura, mas nem tanto….eu vi um trabalho de um cara que analisou todos os censos do IBGE e ele elenca todas as cores que aparecem: mulato, bege, cor de burro quando foge! Nós temos uma crise de identidade fudida no Brasil. E o rap deu esse orgulho pra nós, ta ligado? Quando o cara canta “essa é a vida de muitos em São Mateus, pequeno e pobre, humilde, mas um bairro meu” e eu pensei “caralho, o meu também!”. O rap traz aquela coisa do pertencimento, do lugar. Mas isso se perdeu um pouco, quando o rap se popularizou, virou um produto e se perdeu. E aí entra o Sarau. O Sarau foi uma ambulância, um balão de oxigênio, porque os caras achavam que não tinha mais que fazer letra importante. “Só rimar qualquer coisa, pro rap ser dançante”, ouvi muito isso. Então nós achamos um monte de coisa, que tinha que esvaziar o conteúdo, aumentar a velocidade. E o Sarau veio trazendo conteúdo. E os moleque que fazia conteúdo e perderam espaço, onde eles iam mandar suas rimas? No saraus. Então o sarau ajudou muito o rap e vice-versa. Quem era público do sarau? Os manos do hip hop, ou você acha que tinha um monte de poeta na periferia?! Não tinha e pelo problema da autoestima, o cara não acreditava que podia escrever. Então o cara ia lá e mandava seu rap. Então, num primeiro momento quem ajudou os saraus foi o hip hop. E hoje, o hip hop que ajudou o sarau é ajudado pelo sarau. E não tem mais como separar, misturou tudo.


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Tem pó aí?


É noite quente na cidade sem limites,
E eu topei um cara, no centro da cidade,
vendendo pó.

Po-e-si-a.
“A arte de fazer obras em versos”, dizem por aí.
Um tal Renan Inquérito e mais uns malucos no Ponto.
Edificando a Cultura,
Dando a liga para o verso.

De repente, o micro aberto
e fica todo mundo quieto.
E do fundo vem o riso solto
de quem se sabe um pouco poeta,
um pouco mc.

Coisa fina.
Um, depois o outro.
Mais outro.

O cara do papel na mão,
a rima improvisada, ali, na hora.
A mina do vestido preto,
o papo reto de um,
quase um parto pro outro.

Mas saiu.
A rima tomou corpo.
O medo, o desgosto
o outro, o eu.
O eu-preto,
eu-apaixonado,
eu-do-rap,
eu-do-verso.

Todo mundo um pouco poeta
Todo mundo um pouco mc.

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Texto e fotos por Keytyane Medeiros
Cobertura do 3º Sarau de Arte Urbana no Ponto de Cultura Hip Hop em parceria com a Oficina Cultural Glauco Pinto. 24 de abril de 2014.
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