La Burca: o pós-punk folk do interior

7 de julho de 2014
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Texto: Keytyane Medeiros
Imagens: Divulgação

Uma palavra e pouco sentido num primeiro momento: pós-punklore. Essa palavra misteriosa, curiosa ou propositalmente, tem muito a ver com a banda que a criou. Segundo Amandla Rocha, vocalista do duo La Burca, pós-punklore é uma mistura de pós-punk e folk. “Simplão”, responde a moça de cabelos escuros e sorriso largo.


Confesso que a primeira vez que ouvi a banda, lá no começo do ano passado, nas seletivas para o Grito Rock 2013, achei o estilo muito diferente e destoante do que normalmente é genericamente conhecido como “rock”. E o show foi muito louco, uma verdadeira experiência sensorial com a música, assim, ao vivo, na lata, ou melhor, no Jack Music Pub. Sensorial mesmo, saca? De estar no show e não distinguir bem o que você tá ouvindo do que você tá vendo no palco, o som em fusão com a performance da banda. Em algumas entrevistas, Amandla e Lucas dizem que tiveram a idéia para o rosto que é a espécie de logo do duo ao desenhar os rostos de ambos com traços soltos e depois fundi-los numa imagem só. Acho que essa imagem casou bem com a proposta do duo. Não é fácil definir e encaixar em um gênero o som da La Burca, mas é possível saber que é a La Burca só de ouvir.

Pensando em pós-punk com bandas como Joy Division, Bauhaus e Public Image Limited, típicas do final da década de 1970, senti falta do sintetizador pesado nas composições. O violão elétrico é bastante marcado e, acredito eu, seja fruto da influência folk. Mistura interessante, sensorial. Amandla nos conta que o duo com Lucas surgiu em 2011, mas que os ensaios mais comprometidos, engajados com o projeto só começaram a partir do ano seguinte. Sobre o surgimento, a vocalista destaca sua inspiração, “eu havia acabado com a Kaspar Horse (banda guitar-noise) em 2011 e queria testar outras composições e sonoridades. Além de reaproveitar e reinventar algumas. Eu tinha muita música ‘parada’, sem uso, que não conseguia usar nas bandas em que já toquei. Então, a princípio, queria algo mais folk e acústico, comprei um violão elétrico e chamei o Lucas que tava parado. E começamos a ensaiar”, afirma.

Amandla sempre foi compositora, desde criança e também participou de várias bandas ao longo de sua carreira como música, jornalista e fotógrafa. Foi baixista na Kaspar House e Autoboneco, que também tive oportunidade de conhecer em 2012. Porém, como tem vocação para o experimentalismo, coisa que fica evidente em todas as faixas do CD de lançamento da La Burca, Amandla precisava mudar. 

“Eu estava cansada da pegada noise em que persistia e queria outro lance, encarar o violão. Sempre toquei baixo nas bandas, e embora adore tocar as quatro cordas, estava na hora de assumir meu lado compositora-violeira.” Com composições em inglês e português, o CD é bastante redondo, trazendo também variações melódicas entre uma faixa e outra, coisa muito difícil quando a gente pensa no mundo repleto de indie music de hoje. Pensando em mesclar “o lado mais visceral e mais calmo das canções” e o minimalismo que as composições exigiam, a La Burca é um duo intimista até e talvez daí, o entrosamento marcado entre Lucas e Amandla no palco em tão pouco tempo de estrada juntos.


Com mais um álbum em andamento, o duo agora aposta numa setlist mais variada, com canções antes guardadas e que agora estão sendo testadas, experimentadas nos shows. A previsão é que até o fim do ano saia o novo CD, mas a certeza é que muito em breve o clipe da música instrumental “Diário de uma sombra” já esteja no ar. Tocando mais pra fora do que dentro da cidade de Bauru, a La Burca já está fazendo o seu público e conquistando outros! Em agosto, o duo vai abrir os shows da banda espanhola de pós-punk Belgrado, em São Carlos. 

Amandla e Lucas estão consolidando seu caminho com o seu duo de nome e estilo diferentes, enigmáticos e enérgicos. E se ficou com gostinho, não precisa se preocupar, eles vão tocar no Arraiá das Mina no dia 20 deste mês, mas você pode ouvir o CD completo da La Burca, acessando o perfil no TNT.Art aqui, pelo canal do Youtube ou acompanhar o duo pelo Facebook!
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Pé Na Estrada Copa do Mundo: Itaquerón?

4 de julho de 2014
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O dia em que o Itaquerão virou Itaquerón!

Texto e Imagens: Fernando Martins
*Especial Pé na Estrada Copa do Mundo no Brasil

Pouco antes das 11 horas da manhã, entrava no metrô, estação Tucuruvi, e assim começaria o dia em que vi o estádio de um dos maiores clubes do Brasil se tornar uma verdadeira cancha argentina. Era primeiro de julho, Argentina e Suíça pelas oitavas de final da Copa do Mundo.

Ali, de dentro do vagão que percorria a linha azul, algumas camisas azuis e brancas já apareciam, quase todas com o número 10 às costas, seja acompanhada do nome do atual ídolo Messi ou então do eterno Pibe, Diego Maradona. Na baldeação para a linha vermelha, o número de torcedores já crescia, mas ainda assim era pequeno, até menor que o número de chilenos que vi na partida entre Chile e Holanda, também na Arena Corinthians.

Porém, quando o trem parou na estação Arthur Alvim, destinada aos torcedores que entrariam ao jogo pelo portão oeste, o cenário já era bem diferente, completamente entupido. Fácil notar que algo diferente estava acontecendo. Andar mesmo só em blocos, sendo empurrado por trás e, automaticamente, empurrando o da frente. Como cheguei cedo, umas 11h30 mais ou menos, as arquibancadas ainda estavam vazias, mas uma hora depois percebi que já não estava mais em solo brasileiro

“Puedes tirar una foto?” “Permiso, permiso, deja-me pasar”

Logo, claro, os primeiros gritos de apoio à seleção argentina eram ouvidos. Mais do que óbvio também, as belas e variadas canções eram ensaiadas e tomavam forma. O hit “Brasil decime que se siente” não poderia ficar de fora e a cada repetição era entoado com ainda mais força:

“Brasil, decime que se siente/ Tener en casa a tu papá/ Te juro que aunque pasen los años/ Nunca nos vamos a olvidar/ Que Diego los gambeteó/ Que Cani los vacunó/ Están llorando desde Itália hasta hoy/ A Messi lo vas a ver/ La Copa nos va a traer/ Maradona es más grande que Pelé”.

O hino, como sempre muito esperado, também foi mais uma demonstração da superioridade argentina na arquibancada. Mesmo com a versão apenas melódica, o hino foi acompanhado pelos milhares de hermanos presentes. ¡Que suena hermoso!

O jogo estava pra começar e como eu estava em um setor diferente de um amigo que me acompanhava, resolvemos procurar dois lugares juntos, bem atrás do gol onde a Suíça começou atacando. Uma tentativa, duas, três e quatro. Nada. Em nenhum dos assentos conseguimos permanecer por mais de 5 minutos, algo completamente diferente dos outros dois jogos que eu tinha assistido nesse mesmo local (Chile x Holanda e Coréia x Bélgica). Foi a primeira percepção de que desta vez as arquibancadas estavam realmente lotadas. Ninguém quis perder esse jogo. Ótima decisão, por sinal.

Acabamos mesmo ficando na escada que separava os blocos de cadeiras, centralizado ao gol, algo completamente proibido e controlado nas partidas anteriores. Desta vez foi diferente, os monitores tentaram, mas por pouco tempo. Logo perceberam que retirar os torcedores do local improvisado seria impossível. As escadas viraram também arquibancada e a função daqueles degraus não era mais para se locomover, e sim para torcer.

¡Hermanos aburridos*!
Com o início do jogo e muita cantoria dos argentinos, rapidamente começaram as provocações entre os hínchas argentinos e os adeptos brasileiros. Imediatamente foi possível ver que aquela escada, nossa arquibancada adaptada, era o que separava um bloco quase todo argentino de um bloco quase todo brasileiro. Estávamos exatamente no meio daquela que poderia ser uma verdadeira batalha. A tensão tomou conta de nossos corpos. Ver o jogo em meio a todo esse clima era quase um detalhe.

A dúvida pairava: pender pro lado azul e branco ou pro lado verde e amarelo? A maioria era azul e branca, eles estavam ali para torcer por sua seleção, enquanto os brasileiros, mais afim de provocar, torcendo para a Suíça. Em poucos minutos, já estava praticando meu portunhol, fazendo amizade com alguns argentinos e gritando com força os cantos portenhos. Resolvi, assim como o estádio do Corinthians, me tornar, por um dia, um argentino.

Até ídolo já tinha. Um pouco mais atrás de mim, muitos torcedores tiravam uma “selfie” ao seu lado e o cumprimentavam. Era Burruchaga, herói argentino da Copa de 86, que marcou o gol do segundo título mundial de los hermanos. O zero se manteve durante os 90 minutos, partida nervosa. Muitos já se encontravam alterados pela enorme quantidade de álcool vendida em copos personalizados. Prorrogação. Tensão. Emoção. Cada vez mais a provocação aumentava. De um lado, os cantos argentinos provocavam os brasileiros, eram pelo menos três músicas que faziam referência a brasileiros. Do outro, a tentativa era de lembrar os rivais de que somos pentacampões, que Maradona no és más grande que Pelé ou ainda apenas xingá-los, tentando rebater a qualquer custo o canto carregado de sotaque dos argentinos.

Primeiro tempo da prorrogação muito truncado, nada aconteceu. O segundo tempo seguia pelo mesmo caminho, em direção através das penalidades. A Argentina jogava melhor, enquanto a Suíça, aparentemente sentindo o calor forte que cobria quase todo o gramado, já não ameaçava. Naquele momento, nossa preocupação já era em qual gol as cobranças de pênalti seriam executadas. 

Inocente engano, Messi ainda não tinha brilhado. A história albiceleste neste mundial conta que em todo fim de jogo, a estrela aparece. Não foi diferente. Aos 13 minutos do segundo tempo da prorrogação, Messi, assim como Maradona em 86, desferiu passe preciso para Di Maria, que assim como Burruchaga, braço direito de Maradona naquele mundial, marcou o tão esperado gol que garantiria a classificação para as quartas de final da Copa do Mundo. Outro jogaço no Mané Garrincha, com certeza!


Naquela estreita escada, que dividia argentinos e brasileiros, antes mesmo de gritar gol, fomos arremessados com força pela torcida argentina. Naquele momento, não dá pra negar, foi fácil sentir o medo. Um grande empurra-empurra, alguns torcedores se abraçavam, outros se empurravam e, bêbados ou extremamente envolvidos pelo emocional da partida e das provocações, corriam pra cima dos brasileiros. Quase todos os corrimões que serviam de apoio já haviam sido quebrados e pareciam à espera do primeiro maluco que os arremessaria contra a torcida rival. A tensão era muito grande. Parecia prestes a brotar uma grande batalha entre torcedores. E o front de guerra seria ali, naquela estreita escada onde estávamos.

Um minuto depois do gol, enquanto tentávamos nos recuperar dos empurrões, controlar os mais exaltados e encontrar novamente o lugar antes ocupado, alguns brasileiros saíram na porrada. Porrada de verdade, com muitos socos e chutes, eram uns 4 ou 5 que entraram na briga, sendo uma mulher, que, depois de derrubada, ainda distribuiu pesadas em quem se aproximava. Rostos inchados e algum sangue espirrado em uma das camisas amarelas. Disso para virar uma batalha generalizada faltava pouco. Mas, felizmente, logo os brigões foram separados pelos próprios companheiros.

O clima tenso, que já era ruim, ficou muito pior. Os argentinos não paravam de provocar e iam, aos poucos, tomando o lugar dos brasileiros, que acuados com a briga anterior, foram se retirando. Não havia mais um bloco majoritariamente brasileiro. Os que resistiram, eram encarados de frente por argentinos que esticavam suas camisas e bandeiras, de costas para o campo, e provocavam os anfitriões da festa, agora donos de mais um bloco da arquibancada. Praticamente nem viram a bola suíça batendo na trave, em cabeçada de Dzemaili, de dentro da pequena área, que voltou em seu próprio joelho e saiu, centímetros do gol de Romero. Depois dessa, quem se importa? Se não entrou nessa, não entra mais. Logo o apito era soado, partida encerrada e classificação dos hermanos para as quartas de final, que mais tarde descobririam que seu adversário será a Bélgica, no próximo sábado, 5 de julho.

Fernando e Heitor Facini, torcedores albicelestes por um dia
A Arena que visitei, localizada no bairro de Itaquera, região com maior número de corinthianos da cidade de São Paulo, já não era mais brasileira, não naquele momento. Os argentinos tomaram a festa e pareciam estar em casa, naquele estádio grandioso que, pelo menos durante o dia 01 de julho de 2014, poderia ganhar o apelido de “Itaquerón”.

*aburridos: chateados (em espanhol)


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