O tradicional e o inovador misturados numa manhã puramente artística de domingo
Por Laura Luz
O DESFILE
Era uma intervenção por entre as barracas. Olhos atentos ou tediosos, todos voltados para aquela cena incomum na feira de domingo. Um desfile lúdico, de personagens estranhos e carregados,que bem ou mal prendiam a atenção de quem havia saído de casa com outros fins e dificilmente imaginava se deparar com algo assim.
O cenário era nada menos que a Feira do Rolo, uma feira tradicional em Bauru, com mais de 30 anos de existência localizada na Rua Júlio Prestes, bem no centro da cidade.
Meninas de saia hippie e flor no cabelo dançavam ao som da bateria da Ouro Verde junto de homens vestidos com artigos de mergulho, corcunda de tartaruga, uma barriga artificial respeitosa e tinta no corpo. O mais intrigante, na verdade, foi ver outro homem vestido de peixe, privado de sua mobilidade dos braços, com um salto alto enorme e mesmo assim desfilando sem perder a pose.
Por alguns momentos fiquei com a impressão de que aqueles meninos seminus, os moços com pé de pato, as meninas pintadas e as hipongas eram tão diferentes e tão entrosados que queriam demonstrar algo com isso.
As pessoas que compravam na feira não se privavam de dançar e às vezes faziam os mesmos passos que os artistas, talvez até por falta de espaço, mas provavelmente por compatibilidade. E quando menos se espera aí estão eles outra vez, os caras com monitores na cabeça do Grupo Embaixada de Marte, agora nem tão destacados pela quantidade de bizarrices.
Confesso que até eu mesma que tinha ido com esse intuito me assustei com a aquele desfile de figuras incomuns. Tentei olhar de frente, mas só consegui acompanhá-los por de trás das barraquinhas. Por cada feirante que passava ouvia um comentário.
Na barraca de tapioca o senhor apitava descompassado com uma empolgação ímpar de quem por anos não via algo parecido naquele lugar. Em outro canto vi um senhor bater com a mão em uma escumadeira recém- comprada ao som da bateria.
Nas casas da região mais estranhamento. Mesmo sem a tradicionalidade, pessoas saíam nas sacadas para ver aquela espécie de procissão. Não consegui detectar olhares de reprovação, mesmo porque num domingo de manhã as pessoas não parecem se preocupar com a agilidade da fila da feira.
Depois disso tudo, de toda essa magia já me sentia satisfeita por aquela manhã e até um pouco envergonhada por ter descoberto o ambiente maravilhoso da Feira do Rolo sem o intuito puro de conhecê-la. Só depois fui descobrir que aquilo tudo era, na verdade, só um convite para que o verdadeiro show começasse.
AS APRESENTAÇÕES
Em meio a retirada de ingresso para um passeio na Maria Fumaça na Estação Ferroviária o/a bando(a) passou e ninguém se alarmou, era realmente um humor de domingo. Chegamos em mais uma parte incrível da Feira com artesanato caprichado e de muito bom gosto. Nesse espaço que as artes do (P)Arte da Vez iam realmente acontecer. Foi como entrar em um novo plano da Feira.
Descobri que o mesmo cara com bico e pés de pato que dava gritos guturais no desfile era o coordenador de tudo aquilo. Francisco Serpa, orientador de arte dramática, é o responsável pelo TUSP, o Teatro da USP de Bauru e foi através dele e de suas parcerias com outros grupos bauruenses que a ideia dessa assembleia de arte fez-se.
Estava tudo ali: música, artes visuais, pintura, instalações permanentes de grafitagem. “Escolhi a Feira do Rolo, porque é onde as trocas acontecem e essa troca não é de valores, é de conhecimento.”, justificou Chico na apresentação do evento.
A primeira apresentação foi da performance Flores Astrais sobre a orientação de Caíque Rufato, que eu por coincidência havia conhecido no SESC em uma sessão de documentário do Dzi Croquettes. E não era a toa. Todas as referências do inigualável grupo carioca dos anos 70 estavam naquela apresentação, incluindo os sorrisos e o rebolado.
Continuava o locutor com os chamados e entre eles o anúncio “A Embaixada de Marte esta presente aqui na Feira do Rolo”. Sim. Como eu já havia me dado conta no desfile, e ao som do apito da Maria Fumaça começava a apresentação. O público desviava o olhar se esquivando de uma possível interação, mas sempre com o sorriso no rosto.
Naquele espaço por um lado se via o emergir da pintura coletiva de um quadro com o desenho do vagão e de outro se via a grafitagem feita por mais um coletivo.
A próxima atração foi a Leitura Dramática do texto “Libedade, liberdade” de Millôr Fernades, em que meninas com a cara pintada mostraram só pelo recurso da entonação de voz toda a dramaticidade daquela peça.
Seguindo, o Núcleo de Estudos Paulo Neves fez a performance teatral “Saudação” e depois o Grupo Solar com fez outra intervenção, com muita dramaticidade em uma mistura de culturas tribais.
As apresentações seguiram com uma intervenção circense no tecido e depois uma declaração dramática do próprio Chico Serpa no palco enquanto um ser humano de cueca envolvido em filme plástico era domado por uma linda moça vestida com avental e máscara, ambos do Grupo Protótipo Utópico. Eles manuseavam pedaços crus de carne de forma agressiva e deixavam as crianças de olhos arregalados.
Os malabares de Artur Faleiros também não podiam faltar e em seguida mais surpreendente do que qualquer dramatização foi a apresentação do senhor Zé Francisco, em dança, música e poesia.Era um senhor que havia passado por mim sem que eu nem notasse sua presença artística, ele saltitava como um menino e sorria um sorriso largo e puro como sugeria o nome da sua apresentação toda autoral, “Virgem”. “Bravo Zé Francisco!”.
Um grupo de dança do Ventre composto por mulheres maduras em vermelho marcava quase o fim da manhã de arte. Essas mulheres fora dos padrões estabelecidos mostraram o quão sensuais podiam ser, arrancaram gritos da platéia e sorrisos de satisfação de Chico.
Pé de Macaco subiu ao palco logo após e uma improvisação coletiva fez-se logo embaixo. Ouvindo o pedido de “Chora bateria!” de Brisa sendo atendido, a manhã incomum se encerrou.
Fui andando pelas barracas em processo de desmontamento na feira e ouvindo as músicas e outros barulhos vindos de lá. Foi assim, assim que cheguei à conclusão que era ali a real forma de se fazer arte e que valia a pena lembrá-los sempre disso.
Fotos: Laís Bellini
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Cultura para toda Bauru
A Feira de domingo no centro torna-se espaço para todas as artes
Por Laís Bellini
Bauru é uma cidade feita de pequenas outras. Os bairros formam-se à distância do centro e criam seus próprios centros. Trabalho, comércio, lazer e moradia no mesmo lugar, cada habitante no seu bairro. Mas domingo é dia de feira.
A feira que acontece todo domingo próxima à Praça Rui Barbosa reuni habitantes de diversos bairros da cidade. A feira estende-se até o final da rua onde se instalou também a Feira do Rolo. Mais à esquerda, próximo à Ferrovia, encontramos a Feira de Artesanato. Três feiras em uma só são a atração de toda a cidade, de todos os bairros que passam a semana em seus cotidianos, pouco se envolvendo com o resto da cidade.
O domingo na feira faz os habitantes da cidade se tornar bauruenses, usufruírem do espaço público em comunhão com outros. Uns estão para vender, outros para comprar, outros ainda só para comer um pastel e aproveitar o fim do final de semana.
Com a proposta do TUSP, Teatro da USP, e apoio da Secretária de Cultura de Bauru e de parceiros culturais como o Enxame Coletivo, a Embaixada de Marte, o Palco Fora do Eixo, a Banda Pé de Macaco, o Solar Grupo de Teatro,a Feira ganhou um novo atrativo. Performances de diversos grupos já detalhados pela Laura no texto acima tornaram o espaço da feira, um ambiente prazeroso de convivência.
A intenção era unir vários artistas em ações de colaboração. "Durante o evento me senti em casa, com um relaxamento e uma diversão que nunca havia experimentado antes. A platéia, os atores, o espaço, todos colaborando para a celebração da maior troca de artes que participamos", conta o animado Xyco Peres, organizador.
O evento acontece todo terceiro domingo do mês sempre com novas bandas e atrações na Feira Estação Arte da Ferroviária de Bauru. Esse foi o primeiro, trouxe um público novo para os artistas, integrando cultura com a utilização do espaço público da cidade.
Portanto, utilizemos o espaço, aproveitemos nossa cidade com arte, cultura.
Esse é o gosto de ver e ouvir o que temos aqui na cidade e que é bom!
Valorizemos nossos artistas e apreciemos uma manhã de domingo, as terceiras!