Por Keytyane Medeiros
- Capitão Willie William Will o’Well!
- Que seja! – grita o comodoro britânico bem em meio ao pátio do MIS, Museu de Imagem e Som de Bauru.
O oficial já combateu o pirata William o’Well antes e quase perdeu, ganhou, perdeu de novo e por ora está por cima novamente, mas tudo isso por quê? Sem moradia ou emprego e fugindo de impostos abusivos, os piratas da Grã-Bretanha tentam fundar uma Federação Pirata, numa ilha distante da rainha sob o comando do atrapalhado o’Well.
A peça faz parte do primeiro FACE (Festival de Artes Cênicas de Bauru) e levanta a questão da moradia, do imperialismo inglês e da clandestinidade de forma bem humorada e inusitada com a Companhia Coletivo de Galochas, de São Paulo.
Nada de dramas ao falar de um pirata doidão que está preso e condenado à morte. Não, não! O lance aqui é divertido, apesar de tratar de um tema sério, como os movimentos de ocupação e o direito à moradia, que todos os cidadãos têm. A apresentação foi dinâmica, utilizando todo o espaço disponível no MIS, desde o pátio, até as ferrovias do antigo trem da cidade.
Boa parte da comédia se deve às desavenças e confusões dos bucaneiros durante as cenas, em especial na hora de escolher o sistema de governo da Federação. Todos se julgam filhos de um pirata antigo e aventureiro, talvez um rei ou até mesmo um imperador dos piratas! Como saída contra o autoritarismo dos antigos monarcas, elegeu-se um papagaio mudo para o cargo de presidente. E é claro que o esperto Willie o’Well se torna o porta-voz do bichinho. Mesmo assim, a Federação é um sucesso e começa a preocupar a Coroa Britânica.
Há mais de um ano, os Piratas de Galocha ocupam o Edifício Prestes Maia, no bairro da Luz em São Paulo. O prédio é o maior espaço de ocupação da América Latina, e a escolha pelos piratas diz respeito ao domínio da violência por parte do Estado contra os cidadãos “desviados” da sociedade britânica da época, tal qual acontece hoje, na capital paulista, diante da higienização do centro histórico de São Paulo. Em entrevista à revista Caros Amigos, o diretor da peça, Rafael Presto, defende a escolha pelos personagens ficcionais “pois pirata é a pessoa que não aceita o monopólio da violência do Estado e defende a violência para saquear, os piratas queriam continuar independentes. É como o movimento de ocupação, é um uso de violência perante as leis do Estado, porém uma violência necessária para fazer valer o direito à moradia, garantido pela Constituição e quem não tem o direito e o acesso à cidade, só ocupando”.
Como se vê, o tema é sério, mas a dinâmica não. Trata-se de uma estratégia para manter o público atento em plena noite de sábado (como se um bando de piratas correndo desajeitados pelos pátios e trilhos da Antiga estação ferroviária não fosse algo intrigante). O comodoro da marinha britânica tenta convencer os bucaneiros a abandonar a clandestinidade, lhes oferecendo emprego, salário e perdão político. Muitos cedem com medo do poder de fogo das tropas inglesas, mas o Capitão Willian Obell (Willie William Will o’Well !!!) resiste e enfrenta o comodoro inglês, representante das indústrias que fomentam o ataque à Federação bucaneira.
No fim, todos (os que se renderam e os que resistiram) acabam enforcados pela Coroa britânica. Para os piratas, bem como os cidadãos brasileiros que carecem de moradia, ocupar é preciso. É um dos direitos fundamentais do homem e não pode ser tratado como um problema isolado em nossa sociedade, como uma Federação de Piratas pronta para ser desmoronada.
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