Trocando Ideia: Renan Inquérito

25 de abril de 2014
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Integrante do grupo de rap Inquérito e autor do projeto #PoucasPalavras, Renan Inquérito conversou com a equipe do e-Colab sobre Sarau, Rap e cultura Hip Hop. A troca de ideias foi nessa quinta-feira, 24 de abril, no 3º Sarau de Arte Urbana realizado pelo Ponto de Cultura Acesso Hip Hop em parceria com a Oficina Cultural Glauco Pinto.

e-Colab: Você começou em 1999 com o Inquérito e de lá pra cá, muita coisa mudou. Como essa mudança refletiu no cenário do Hip Hop e dos saraus urbanos no interior de São Paulo?

Renan Inquérito: Mano, mudou pra caralho né?! (risos) Tudo mudou, o mundo mudou, as pessoas, a velocidade com que a informação circula, isso muda tudo. Por exemplo, eu ia na galeria, juntava dinheiro três meses pra comprar um vinil importado que custava 50 dólares. E naquele vinil tinha uma música do 2pac (Tupac Shakur, considerado o maior rapper da história) cantada de um lado e o instrumental do outro. E eu pegava o instrumental pra mandar meu rap. Custava dólar, era mó caro. E agora? agora você vai na internet, “baixar todas bases instrumentais do 2pac”, brum. Então mudou, é mais fácil agora. Digamos assim, antes era rua de terra, agora é asfaltadinho, tem ciclovia, faixa para pedestre. Só que outra coisa, abriu pra todo mundo: ruim, bom. Então, da mesma maneira que ampliou os horizontes, a qualidade ficou um pouco prejudicada, mas eu acredito que a qualidade vai sempre superar a quantidade.

Aí o rap também mudou. Veio os rótulos: underground, bate cabeça, gangsta, começamos a ver outras fitas. Era tabu falar de dinheiro no rap, de mulher. Os caras falava que o cara que tinha um UNO era um boy! Quando falava de mulher, a letra era machista pra caralho, até hoje é ainda assim, eu acho, mas mudou. A mulher se impôs no bagulho também. Nós vimos também que tempo não é nada. Tem cara que tá há 20 anos, e tá há 20 anos atrapalhando. Podia ser um produtor, um jornalista, um fotógrafo, não dá pra todo mundo ser MC. A gente precisa de professor de história, só que ele ser do movimento hip hop, de médico do hip hop, de presidente do hip hop. 

e-Colab: Apesar da base do rap ser a poesia, para compor uma música, tem que pensar nos beats, no flow, etc. Então, pra você, existe alguma diferença no processo de produção de uma poesia que vai ser lida e de uma letra de rap?

Renan Inquérito: A poesia, assim como o rap tem que ser livres. Os concretistas, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, são mestres, mas parecia que queria dificultar o bagulho: tinha uma equação matemática para entender o poema! Tinha que ter um formato, tipo uma caixinha. Só que o rap extrapolou o lance da caixinha. Só podia fazer música, quem entendia de música. E o moleque da quebrada que nunca teve a oportunidade de estudar um instrumento, mas queria fazer música? O rap democratizou isso. Muita gente no começo falou “o rap não é música”, porque o rap era efeito de qualquer jeito, mas a gente foi provando, foi pondo qualidade, porque começou precário, era batendo na lata (bate no fogão e faz uma rima). Era lata de lixo na São Bento. Hoje é MPC. Hoje tá aí, pra todo mundo.

e-Colab: Numa entrevista da Bravo! você fala um pouco sobre a auto-estima da periferia. Como você acha que a auto-estima da população que mora na periferia se transformou ao longo do tempo, com a prática dos saraus, que tão estourando agora lá em São Paulo e com o rap, que tá aí desde os anos 80?
Renan Inquérito: O rap trouxe autoestima pro cara da periferia, porque ele parou de ter vergonha de usar a roupa que ele usava, de falar onde morava, de usar o cabelo dele. Porque somos um país um miscigenado, aquela mistura, mas nem tanto….eu vi um trabalho de um cara que analisou todos os censos do IBGE e ele elenca todas as cores que aparecem: mulato, bege, cor de burro quando foge! Nós temos uma crise de identidade fudida no Brasil. E o rap deu esse orgulho pra nós, ta ligado? Quando o cara canta “essa é a vida de muitos em São Mateus, pequeno e pobre, humilde, mas um bairro meu” e eu pensei “caralho, o meu também!”. O rap traz aquela coisa do pertencimento, do lugar. Mas isso se perdeu um pouco, quando o rap se popularizou, virou um produto e se perdeu. E aí entra o Sarau. O Sarau foi uma ambulância, um balão de oxigênio, porque os caras achavam que não tinha mais que fazer letra importante. “Só rimar qualquer coisa, pro rap ser dançante”, ouvi muito isso. Então nós achamos um monte de coisa, que tinha que esvaziar o conteúdo, aumentar a velocidade. E o Sarau veio trazendo conteúdo. E os moleque que fazia conteúdo e perderam espaço, onde eles iam mandar suas rimas? No saraus. Então o sarau ajudou muito o rap e vice-versa. Quem era público do sarau? Os manos do hip hop, ou você acha que tinha um monte de poeta na periferia?! Não tinha e pelo problema da autoestima, o cara não acreditava que podia escrever. Então o cara ia lá e mandava seu rap. Então, num primeiro momento quem ajudou os saraus foi o hip hop. E hoje, o hip hop que ajudou o sarau é ajudado pelo sarau. E não tem mais como separar, misturou tudo.


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