Por Renan Simão
Antes de começar esse texto, copio uma frase do jornalista e documentarista Bruno Natal sobre documentários:
“… porque documentário não um gênero, é uma linguagem.”
Na última terça-feira, durante a
Semana de Rádio e Tv da Unesp, foi realizada a palestra: “A
expansão do cinema documentário: novas relações entre
documentário e ficção” ministrada por Jenifer Serra, na sala 1 da FAAC. Não se
atendo ao título genérico da palestra, Jenifer, formada em Produção
Cultural e mestranda do programa Multimeios da Unicamp, aprofundou-se
por um gênero de documentário: o de animação.
Formato caro ao cinema documental
contemporâneo, o documentário de animação se tornou famoso em dois
filmes: Valsa com Bashir (2008), Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e Ryan (2004), vencedor do Oscar de animação. Tais
produções têm em comum o fato utilizarem a animação para contar
uma história real. Sim, a realidade pode ser representada de forma
subjetiva e mostrar aspectos que o documentário objetivo não pode
atingir. Esse foi o ponto da palestra.
Definições, Magritte e Ryan
Para delimitar seu campo de atuação
Jenifer diz que o documentário é o cinema “que busca interrogar o
real, o mundo histórico”. Também fala que a animação aparece
“tradicionalmente como imaginativa, irreal”, mas utiliza
recursos do cinema clássico para contar uma história. Por fim, define o
documentário de animação: “linguagem que usa a representação
subjetiva [persongens animados, bonecos, etc.] para mostrar temas,
aspectos, histórias e sentimentos objetivos”.
René Magritte,
pintor surrealista que confundiu os limites entre realidade e ficção, mostrava
que tudo é representação: realidade e subjetividade caminham juntas. Um quadro,
um texto ou um documentário são representações da realidade, sendo
assim, impedidas de mostrar o real como um todo. Se não podemos
mostrar a realidade como seu todo num documentário clássico, porque
não lançar mão de recursos subjetivos da animação para
representar aspectos objetivos que são impossíveis de se ver num filme convencional? Esse é o alvo do documentário de animação.
Como exemplo da discussão, Jenifer exibiu o
curta-documentário de animação Ryan, com direção de Chris Landreth, de 2004. O filme faz uso de esquetes, pintura e animação
3D para contar a história real de Ryan Larkin. Larkin, um talentoso
animador canadense que nos anos 80 criou peças de animação
inovadoras de grande influência na produção de filmes de seu país sofreu com o fracasso profissional e 30 anos depois era facilmente encontrado morando nas ruas de Montreal devido ao vício em álcool e cocaína. Por meio de entrevistas e depoimentos verídicos, a animação
conta a trajetória de Ryan, dialogando com seus amores,
amigos, crises de criatividade, vícios e pobreza.
Mas o detalhe mais impressionante do
curta é a representação dos personagens. Desfigurações do rosto
mostram a degradação moral, demonstrações de raiva são
tentáculos vermelhos que saem do cérebro e contornos roxos sobre o
rosto lembram o amor dos entrevistados animados. “A imagem vista na tela é fruto das
impressões coletadas nas entrevistas. Os detalhes dos corpos e
expressões são subjetivos sim, mas tem profunda ligação objetiva
com a história real”, observa Jenifer. Ela ainda conta que essa
aproximação de realidade fantástica é chamada por pesquisadores
de psicorrealismo.
Com convicção, a mestranda afirma que
o documentário de animação deve ter uma leitura documentalizante,
não se atendo à imaginação somente, e que “animação pode ser subjetiva
mas tem compromisso sobre o real".
Agora, lembrando da frase do Bruno
Natal lá de cima, realmente o documentário pode transitar por
vários gêneros devido à sua linguagem abrangente e não se prender ao seu
rótulo limitador de objetivo.
Veja na íntegra o curta-metragem Ryan:
Veja na íntegra o curta-metragem Ryan:
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