Por Jaderson Souza
Foto 1: divulgação / Foto 2: Renan Simão
“Quem faz isso não pode pensar em lucro”.
A frase sintetiza o abnegado trabalho de um fanzineiro. Histórias desse trabalho são mostradas no documentário Fanzineiros do Século Passado, exibido no último sábado no CinExtinção em Bauru.
Fanzine é uma revista editada por um fã. O objeto de idolatria desse fã, que vira editor, é o tema das publicações: uma banda, uma expressão artística, um movimento político, etc. Não há pretensão econômica, mas o nível de qualidade gráfica do fanzine depende muito do poder financeiro do editor, que vira e que ainda é fã desde o primeiro momento.
O documentário, produzido e dirigido pelo também fanzineiro Márcio Sno, é dividido em dois capítulos. No primeiro, aparecem relatos de fanzineiros que mantiveram zines nas décadas de 80 e 90 (alguns deles os mantêm até hoje). As entrevistas foram gravadas entre abril e novembro de 2010. Várias histórias em comum, como o modo de produção e distribuição dos zines, algumas delas bem engraçadas como a do selo e a da carta social, duas estratégias utilizadas pela maioria dos fanzineiros (há quem negue, mas vai saber né?) para diminuir custos de distribuição. A montagem do documentário é um dos detalhes mais interessantes, sobretudo nesse capítulo. O corte das imagens das entrevistas e o fato dos fanzineiros contarem praticamente as mesmas histórias dão a impressão de que uma única pessoa está nos contando a história dos zines. Seria uma espécie de “entidade fanzineira” ou alguma coisa do gênero.
Mas a parte mais legal do filme estava guardada para o capítulo 2. Ele é subdividido em quatro partes que abordam desde a importância do fanzine para o rock até o panorama atual dos fanzines.
No começo deste capítulo, aparecem duas importantes figuras do Zinismo nacional: o professor Henrique Magalhães, pioneiro no estudo acadêmico dos fanzines, e o quadrinista Gualberto Costa, que ministrou oficinas sobre fanzines e foi um dos fundadores do Prêmio HQ Mix. Em seguida, vários nomes do rock brasileiro (Gabriel Thomaz e Bacalhau do Autoramas, BNegão, Wander Wildner e Rodrigo Lima do Dead Fish) relatam que já tiveram seus próprios fanzines e falam como essas publicações foram importantes para a divulgação de seus trabalhos enquanto músicos. Eles inclusive brincam que os fanzineiros faziam perguntas clássicas - “qual o tema das músicas?”, “quais as influências?” e “quais os planos para o futuro?” – que resultavam em respostas decoradas. Apesar desses deslizes, eles consideram o fanzine uma mídia bastante positiva, Wildner chega a compará-la, junto com a fita cassete, com a internet de hoje.
Falando em internet, o filme aborda a chegada da tecnologia no universo fanzineiro. No início, funcionando como um braço da versão impressa, a web facilitou e acelerou o processo de fabricação dos zines. Pouco a pouco, a ordem começa a se inverter; a internet consegue uma autonomia ou, até mesmo, uma independência em relação às publicações impressas. É o nascimento dos blogs que podem ou não coexistir com suas versões impressas. Se no primeiro capítulo do filme, as vozes foram uníssonas, aqui começa a haver o debate em torno do futuro dos fanzines: uns acham que o fanzine vai acabar; para outros, o fim chegará para publicações de grande tiragem; enquanto para outra ala complementa afirmando que o registro em papel é melhor em virtude da volatilidade da internet.
Atualmente existe uma preocupação maior com a qualidade dos fanzines e não apenas com a divulgação dos seus objetos de admiração. No fundo, a discussão sobre o Zinismo é bem parecida ao debate a respeito da função dos jornais impressos. Hoje há um cuidado especial quanto à estética dos zines e também em oferecer um conteúdo textual de ordem mais analítica. Qualquer semelhança pode não ser mera coincidência.
Muitos defendem que o impresso ainda deve existir, afinal de contas, “ler em um tablet é um saco” (este que vos fala tem a mesma sensação ao ler qualquer coisa no PC). Brincadeiras à parte, o cenário atual aponta o crescimento do intercâmbio entre fanzineiros. Algo que já acontecia décadas atrás via correspondência, pode ocorrer agora tanto física como virtualmente. O documentário ilustra isso com alguns exemplos: a Fanzinoteca Mutação, de Rio Grande (RS); o Tour de Zines, que abrange a produção de fanzines nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais; o Zine-se, de Fortaleza (CE); a HQ Mix, uma livraria que vende fanzines na cidade de São Paulo; o Zinescópio, site que disponibiliza fanzines em arquivo PDF e, por fim, a UGRA, uma espécie de cooperativa de fanzineiros com sede no Rio Grande do Sul. Esse grupo é um dos que defendem com maior veemência a continuidade dos zines impressos, estratégia bem diferente do Zinescópio, porém todos esses grupos tentam preservar, cada um à sua maneira, o universo dos fanzines.
No final do filme, surgem imagens da Ugrazine Fest, encontro organizado pela UGRA que reúne fanzineiros de todo o país, inclusive muitos que deixaram seu depoimento durante o documentário estavam lá. Se no começo do filme, os fãs+editores+produtores estavam distantes territorialmente e próximos quanto às suas histórias, agora eles estão perto uns dos outros em todos os sentidos. Antes, a história dos fanzineiros parecia uma só; hoje, todos os atores dessa história estão reunidos em um mesmo lugar.
Veja as duas partes do documentário Fanzineiros do Século Passado:
Veja as duas partes do documentário Fanzineiros do Século Passado:
As sessões de cinema alternativo do CinExtinção acontecem todo sábado às 19h. Apareça lá.
Se quiser conhecer mais sobre fanzine, os caminhos estão abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário