Por Gabriel da Luz
Fotos: Maria Lansky
No dia 06/05 pude prestigiar um show de Gilberto Gil na Praça Júlio
Prestes, coração da capital paulista. Eu estava dentre algumas das milhões de
pessoas que acompanhavam o fim da
Virada Cultural. Muitos ali compartilhavam de um sentimento dúbio: a alegria de
ver o talentosíssimo Gil, ainda com tudo, e a incerteza sobre o veto da nossa
presidenta em relação ao Código Ruralista (ainda chamado por aí de florestal,
não sei por que cargas d'água). Era a Refazenda e a re-fazenda, toda.
Gil foi um dos fortes representantes daquela tropicália, movimento
cultural que até hoje é componente fortíssimo da cultura engajada brasileira
(se é que nossa arte ainda não é, em boa parte, tropicalista). Independente da
conclusão que cheguemos sobre a legitimidade e o real engajamento do tal
movimento, essa discussão toda que Schwarz e Caetano tentam desembolar há anos,
vamos nos lembrar do seu caráter inegavelmente politizado e questionador (seja
dos limites estéticos e comportamentais, seja das questões propriamente
políticas). Não havia como ignorar os descomedimentos daquele estado
autoritário e dos conservadorismos daquele Brasil - este? - ainda filho do
esquema Casa Grande/Senzala e dos coronelismos e dinastias donas de estados
inteiros. Pois, assim sendo, aquele mesmo Gilberto Gil, independente dos fios
brancos, só poderia reagir de uma forma diante do descalabro do código
florestal aprovado no congresso: se posicionando, já que a crítica e o
posicionamento são elementos perenes d'um tropicalista.
Lá eu escutava: "Realce! realce! quanto mais purpurina
melhor!". Ao mesmo tempo via algumas placas com as frases "Dilma,
Veta Tudo" ou "Veta, Dilma" e ouvia um grupo de pessoas gritando
a todo silêncio possível os dizeres das placas. Gil viu, leu, entendeu e
inclusive recebeu no palco um cartaz verde com a óbvia mensagem. O técnico de
palco logo se movimentou para levar o cartaz da frente do palco. Gil, fora do
microfone, falava com um dos técnicos que estavam na parte de trás. Seria
aquele o momento? Gil daria o grito para seu público? Não. Tudo o que ele pediu
foi um copo d'água, ele tinha sede, e aquela sede poderia lhe matar.
A Virada Cultural não é um evento apolítico. A rua é uma escolha
política. Assim como o é a opção por unir universos tão afastados -
pornochanchadas, orquestras sinfônicas, pole dance, rock psicodélico, emocore.
Sei que a política não reside apenas nos atos de óbvio conteúdo e é
claro que o show de Gil é político de outras formas, quando faz apologias
diversas à paz e ao amor ou mesmo quando puxa um forró e age sobre as travas e
os tesões da platéia. Mas em certos momentos precisamos de palavras mais claras
e diretas, mais conteúdo de protesto. Nem todo conteúdo é automatismo
ideológico.
Se Gil conseguiu reunir um mar de gente pra entoar alegremente suas canções, por que é que não disse algo sobre o Código? Se eles estavam ali pra ouvir suas músicas sei que ouviriam também, com a mesma atenção e dedicação, seus clamores pelo veto presidencial.
Só sei que Gil não tocou no assunto. Guilherme Arantes, sim, num
outro palco e Alex Atala, que optou por uma decoração Veta, Dilma pra sua barraquinha de Galinhada gourmet. Mas Gil e
muitos outros, não. Não se sabe até que ponto ele tinha algum impedimento para
exigir o veto - o partido de Kassab é pró-Código e a Virada é realizada pela
secretaria de cultura da cidade. Mas dessa forma todos estariam impedidos, não?
Ou pode ser que o músico tenha simplesmente optado por não se posicionar.
Mas o que significa optar por não usar uma arma tão poderosa quanto
a fala? Poderiam dizer que se tratou apenas de uma performance apolítica. Mas
eu tendo a pensar que a opção apolítica não existe. Não engajar é o que há de
mais anti-político nas capacidades humanas. O engajamento deve existir na
prática diária, no trabalho, nas conversas. E nos shows de música, sim.
Antes do fim do show tive que me espremer por entre os espectadores
pra não perder meu vôo de volta para Belo Horizonte. Desde aquela desvairada
correira até a chegada em minha casa em BH eu convivi com um fiapo de ansiedade
que me pinicava: será que Gil iria, até o fim do show, dizer algo sobre o
código ruralista? Queria chegar em casa e ter essa feliz surpresa. Mas não
houve nada.
Num próximo show estarei lá pra compor o coro apaixonado de suas
músicas. E dançarei com o corpo solto e feminino, porque vejo aí um importante ato
político da sua arte. Mas não vou me conformar se os artistas em que
confio não se manifestarem mais claramente diante dos nossos protestos mais
urgentes.
Sobre a virada e a política.
Sobre Caetano e Schwarz:
…e a discussão continua.
É preciso entender o significado, também político, dos silêncios, Gabo. Mesmo porque os silêncios às vezes falam muito mais que as palavras. De fato é de se estranhar vindo da parte de um cara ligado ao Partido Verde [se bem que ser do Partido Verde em si não quer dizer muito no Brasil], mas ele - quem sabe - tem suas dúvidas? Se vc não está com a cabeça feita é melhor ficar calado, não é?
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