Macumba Antropófaga. Esse texto é o preço da minha nudez

14 de agosto de 2012
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por Sérgio Viana
fotos por Paulo Soucheff




Que não se fazia ideia do que se esperar é mentira.
Era a primeira vez que iria assistir a uma peça de José Celso Martinez Corrêa. Ele ia me descabaçar, como o próprio Zé diria. No entanto, a tal Macumba Antropófaga já estava tão bem e mal falada, que surpresa ia ser algo difícil de acontecer. Pois que o destino fez questão de surpreender a todos, inclusive o próprio Oficina Uzyna Uzona. Pela primeira vez em Bauru para se apresentar – anteriormente só haviam realizado oficinas teatrais -, o grupo também comemoraria ali seu aniversário de 25 anos (“pós-exílio”, segundo Zé Celso) e 50 anos do principal ator da companhia, Marcelo Drummond, que interpretou grandes personagens como Euclides da Cunha, Dionísius e Oswald de Andrade. 

Não era o Rei da Vela – primeiro espetáculo do Oficina -, mas novamente Oswald era a estrela de Macumba Antropófaga, afinal, baseada no Manifesto Antropofágico redigido por ele. A peça peregrina pelo o que seria a deparação do escritor com a realidade da cultura brasileira, totalmente influenciada e entregue aos padrões da Europa. Uma cultura Macunaímizada – sem caráter. Dessa visão, Oswald parte para a transcrição do seu manifesto feito de carne, que pede para ser comido, digerido.



Disso o que salta ao palco são as representações de tabus canibais, dos grupos de ódio. A moral, a igreja, o conservadorismo político, o capital, o SEXO. Sim, não é segredo algum que a nudez é posta em cena do inicio ao fim, é a linguagem do Oficina. É também o que eles crêem ser uma das chaves para a libertação de todos os males, pecados da sociedade. Males e pecados que não é outra coisa senão o atendimento do desejo legítimo da humanidade do ser. Quem não se entrega se trai. 

Só experimentando pra poder falar.

Entregar-se, participar do espetáculo a certa altura tornou-se necessário à busca de sentido de tanto discurso cantado em coro, acompanhado por uma banda demasiadamente boa - (E também pela falta íntima que o tablado me fazia). 

A nudez do público exposta ao próprio público. Eu topei. Não posso afirmar com certeza, mas quem já viu Macumba Antropófaga e não tirou a roupa pode dizer se estou certo ou errado. O desafio não é só daqueles que se despem e passam a integrar o elenco, mas também, e talvez principalmente, daqueles que se mantém sentados, apenas assistindo, ou com vontade de fazer o mesmo só que sem coragem, ou com um olhar reprovador, de incredulidade, de julgo daqueles que ali deixaram se levar por um velho de 75 anos. 

Um velho que revolucionou o teatro brasileiro e deixa até carolas molhadinhas, diga-se de passagem.

Enfim, após a participação, o intervalo e o retorno para o segundo ato. O que se vê são mais marteladas sobre o comportamento humano enlatado. É um teatro de militância sem partido. O nu já não assusta ou causa espanto com o tempo. Apenas para uma senhora que sentada na arquibancada de frente para mim olha para os lados, na maioria das vezes para cima, com um ar blasé e comenta com a colega algo que pode ser: “Que absurdo! Isso é ridículo”. Calma, tia! Não é tão ruim assim. Era só um baseado. Eram só dois atores se passando por recém-nascidos se comendo. Era só uma chupadinha ali e outra aqui. Calma, nunca pense que já viu tudo nessa vida. 

Com o tempo o espetáculo se tornou realmente cansativo. O texto emaranhado aos cantos não se punha fácil ao discernimento (como essa frase). As tiradas repetidas e a apelação, às vezes, demasiada a um público apático fazia com que minuto a minuto alguns olhassem nos relógios, ou simplesmente desejassem ver o final (in)feliz acontecer. 

Em resumo, saí realizado, porém sem olhar no olho de quem eu havia mirado a vagina, tocado, apalpado o seio, de quem também havia me visto como (não) sou.

Será que revolucionou algo dentro? Demora, eu sei, não é bem assim. Há de se ter muitas sessões de Antropofagia teatral para sentir a diferença. Há de se culpar o Freud, o ego, o super-ego. Afinal,  somos aquilo que somos e não deixamos de ser.



  1. Se o cabaço é na cabeça, não tem nu que faça que a alma aconteça...
    Ficar "nu" não é só a ausência da vestimenta.
    Ás vezes, é uma questão de se vestir de "amor"
    e tirar os trajes da indiferença.
    ( Afinal, o que é a "liberdade" hoje em dia???)
    ( valeu o texto Sergio... Me inspirei Abraço )

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  2. ...e como todas as coisas não concretizadas no plano físico, fiquei eu estas madrugadas, refazendo em pensamentos (e agora sem amarras), minha atuação no palco da existência...confissões de uma vestida.

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