Quando Mendigos Viram Poetas

12 de junho de 2011
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Por Luana Rodriguez

Não foi uma peça comum. Não começou com as luzes do teatro se apagando e as cortinas se abriram. Foi diferente.

Estávamos na USP, na noite de sábado aguardando o inicio da peça “Como meninos, mendigos e poetas”, quando um sujeito mau vestido, descalço e com um cheiro ruim se aproximou. “Vai ter festa?” perguntou o homem. Diante da nossa resposta negativa insistiu mais uma vez, “mas vai ter comida?”.

Demorou até que percebêssemos isso já fazia parte do teatro. Foi somente quando um dos atores, timidamente, quase fugindo da platéia, indicou o caminho, que entramos na sala onde o espetáculo de fato aconteceria. O cenário era simples: um corredor formado por cadeiras, trapos e roupas velhas e folhas secas pelo chão. “É por mim que você procurando?” pronunciou um dos atores, conseguindo o silencio do público e iniciando o espetáculo.

Mediante o jogo de luzes e músicas que, por vezes, ditavam o ritmo da peça, toda a história era constituída sob um olhar poético. Dois mendigos se encontram na busca por algo que lhes faz falta. Entre devaneios, sonhos, e histórias de vida dos personagens, são constituídos os diálogos entre os atores cheios de delírios, gírias e palavrões, mas que no fundo apresentam uma reflexão social.

Durante a peça, os personagens Velho e Matraca conversam entre si, mas apenas o passado do velho é citado. Ele já teve uma família, foi agricultor, teve dinheiro e era valorizado pela sociedade. Já a Matraca cabe apenas a recordação de um velho mendigo sendo queimado vivo e a procura constante por Mancebo.


Algumas coisas me chamaram a atenção. As curtas improvisações dos atores, uma moça de roxo que dava risada de quase todas as falas, a capacidade de imaginação de um dos personagens da peça ao descrever o zoológico, a referência à Bíblia com o pão sendo o corpo e Jesus e a pinga o sangue de cristo, e uma simulação de estupro. Em uma das lembranças de Matraca, o personagem narra o estupro e a morte de uma menina por vários viciados em drogas.

Com um clima intimista, em vários momentos da peça tive a sensação de estar vendo uma releitura de obras teatrais conceituadas como “Esperando Godot” de Samuel Beckett, suspeita que ao fim da peça se confirmou. “Uma referência forte foi o texto de Samuel Beckett. Foi daí que a gente tirou a idéia de fazer a peça em dois atos, a relação entre dois moradores de rua e a busca constante por algo que você não sabe o que é”, explicou Denilson de Oliveira, um dos idealizadores da peça. O ator ainda comentou que a peça surgiu em uma sala, a partir da improvisação dos atores.

Diferente de seu começo, o teatro acabou como uma peça deve acabar. “Eu to indo, vocês vão ficar aí?”, proferiu o ator que saiu de cena. As luzes se apagaram, indicando o fim, o público se levantou, e aplausos sugiram rompendo o silêncio da sala.


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