Olhos hipnotizados, homens e mulheres
Por Ana Laura Mosquera
Foto: Bruno Christophalo
Logo no início da noite, o bar ainda bastante vazio, duas mulheres desfilavam seus longos cabelos, penas e véus ontem pelo Jack. Eu sinceramente pensei que fossem do grupo de teatro. Além do que, estavam cobertas demais para o que seria uma dança de ventre. OK, também confesso que subestimei tanta produção para uma simples dança. O que não era nada simples, afinal. Em uma mistura de dança do ventre com dança tribal, em uma união de passos suaves e outros levemente rústicos, a intervenção começou. Com um pouco mais de ousadia, veio a moça com a espada. Em movimentos clássicos da dança sensual, executa todos de forma bastante delicada. Conseguiu prender a atenção de todos, com seu carisma, olhar e seus longos cabelos. São olhos hipnotizados por todo o lugar, homens e mulheres atraídos pelo charme e pela beleza da apresentação.
Primeiras e outras impressões
Por Ana Laura Mosquera
Foto: Bruno Christophalo
O teatro já havia começado quando o Gabriel veio me avisar. A performance é algo tão sutil em meio a shows de bandas e dança, que quase perdi o início. E assim a apresentação se desenvolveu. Um amigo ao meu lado perguntou “Você tá pensando no texto?” E eu disse “Tô”. Mas a única coisa que vinha na minha cabeça eram palavras jogadas, muitas dúvidas e receio.
Ao final, fui parar em uma espécie de camarim bem improvisado do artista Chico Peres, do Grupo Futuro Telescópio. Enquanto sua amiga ainda tirava a maquiagem dos olhos dele, conversamos. Fui honesta. Quando me dispus a cobrir o teatro da noite, esqueci que o que conhecia era um teatro mais tradicional e não performático. Desconhecia mais ainda as grandes produções e seus autores. Era uma leiga em meio a tantas informações embutidas nas performances. Por fim, Chico me esclareceu algumas coisas. Ele estava vestido como Hugo Ball, representante do dadaísmo, precursor da arte performática e fundador do clube noturno Cabaret Voltaire, na Suíça, em 1915. Estávamos frente a uma première do artista de Karawane, poema de Ball de 1917, escrito em alemão e com palavras inventadas. Enquanto as palavras apareciam no telão, ao som de uma trilha tensa e crescente, o homem balbuciava questionamentos humanos e os tais termos inventados, ora ao vivo, ora em gravações.
Com quase toda a maquiagem tirada (“Você quase arrancou minha sobrancelha agora”, brinca com a amiga) prestes a ir embora, percebi. E logo perguntei “Você não estava na palestra sobre Vegetarianismo hoje à tarde?” Ele confirmou... Chico tinha sido fundamental para a solução da minha última questão, quando disse “Social”.
(...)
Passos de barulhos metálicos pelo chão. Assim o homem entrou se arrastando e continuou pelo pequeno espaço à nossa frente. Cada passo transmitia certa agonia, completada pelas olheiras e a face pálida do “sofredor”. Sem falar da corda no pescoço. De início, não sabia se era alguém enforcado ou, acreditava menos, um escravo conduzido por um “dono”. Minha discreta incerteza se confirmou. Era um escravo.
Já sem maquiagem, como um "homem comum", fui mesmo atrás de Roger Lima, quase saindo do Jack. Mesmo com pressa, não hesitou em largar suas coisas num canto e conversar um pouco. Me explicou que aquele personagem era Lucky, de Samuel Beckett (pai do "teatro do absurdo"). Em “Esperando Godot”, Lucky é escravizado por Pozzo e conduzido por uma corda, obedecendo cada ordem do patrão. Lucky, e Roger, desatam então a falar rápida e ininterruptamente: críticas ao sistema capitalista, à escravidão... poucos param para ouvir.
Eu pergunto, por fim, ao artista do Grupo Solar “Você acha que as pessoas aqui têm conhecimento de Samuel Beckett, do 'teatro do absurdo' ou só eu não sei (risos)?” E ele responde firmemente “Com certeza a maioria não.” E eu insisto “Então por que essa apresentação, aqui, hoje?” E ele finaliza dizendo que a idéia é que cada um tenha suas impressões sobre o ato. A idéia geral foi passada.
Balaio Urbano
Por Beatriz Almeida
A plateia do Jack, aquecida pelo teatro, parecia recém-acordada quando a banda entrou no palco. Atentei ao palco na procura de dreads ou de camisa do Bob Marley. Mas não havia nenhum elemento clichê do reggae. A banda aparentava o pop. Simpatia vocalística e poucos elementos visuais.
Começa o som e em três ou quatro minutos já dá pra sentir profissionalismo e personalidade do grupo. O som é diversificado. Lembra a capital. Traz a sutileza de Bob Marley e Peter Tosh. Leva pro agressivo hip hop paulistano. Reggae roots com elementos de rock e mpb, percussão que oscila entre o metálico e o toque seco do mangue beats. O percussionista surpreende com instrumentos de improviso e completa o som mesclado e desalinhado que a banda transmite.
Formada em 98 por amigos que tinham a pretensão de compartilhar o verdadeiro balaio de influências e ritmos trazidos da rua, a Maraca Manca traz para o palco a questão social e a multiculturalismo da cidade grande. "Reggae com elementos de São Paulo. Reggae urbano, é isso que a gente tenta trazer." No palco o resultado é um som pulsante, com boas ideais, desses que mantém o público concentrado mesmo com o repertório quase autoral. Importante, em meio a tanto barulho por aí, saber garantir autenticidade. Vindo de quem é quem é bom, cover é brinde.
Onze de junho, Jack Pub, onze e meia da noite. Estava ali pela única coisa que poderia ter feito com que eu saísse de casa em uma noite gelada às vésperas de uma prova no sábado de manhã: música boa. E a noite foi de esperas e perguntas respondidas.
A primeira pergunta ao ver o tímido movimento no pub foi: será que o Jack vai lotar? Não lotou, mas o número de pessoas presentes foi o suficiente para dar um ar aconchegante ao lugar. A próxima pergunta: quando vão tocar El Paso! e Projeto Projeto Homem Bomba?
Depois de uma intervenção da Academia de Dança de Bauru, com coreografias no estilo tribal e dança do ventre. Depois de todo o groove da experiente banda Maraca Manca (SP) e seu frontman que faz jus ao termo. Depois de mais uma intervenção, agora de um “Homem Surreal” do Grupo Futuro Telescópio, que não poderia ser descrito de outra forma. Depois de mais alguns minutos de reggae discotecado acompanhando as imagens psicodélicas do telão que escondia o palco, chega enfim a vez de ver e ouvir a banda Projeto Homem Bomba. Tanto já havia acontecido, e muito mais ainda estava por vir.
A banda é da casa, o público são os amigos e surge mais uma questão nessa cabeça aqui: será que a platéia curte mais um som amigo ou as apresentações, com o tempo, caem na mesmice? Caio Pink, João Megale, Lucas Montinho, João Perussi, Bruno Candeiras, Diogo Japa e Bruno Nantes mostram que música boa nunca enjoa.
A mensagem é clara já na primeira música: “chora esse cavaco”, pede o vocalista Pink ao amigo Megale, que atende ao pedido e mostra que difícil vai ser ficar parado até o fim do show. Olho para o canto esquerdo do palco para ver o batuque da percussão, e a imagem de um triângulo, típico instrumento nordestino se destaca. O que vem por aí? Vem mais música e as composições da banda começam a chamar minha atenção. Como não reparar em uma letra que diz “amar só por amar é ver sem enxergar”?
Animação e boas letras, a coisa pode melhorar? Pode, com “o samba não morre só porque você não quer sambar” sendo cantado pela galera. Mesmo os que não conheciam a música pegaram o refrão de primeira. E a mesma galera que canta, avança para perto do palco, e coloca o corpo pra mexer, os braços pro alto, surgem até passos coreografados. É tudo contagiante... E vem América, e vem Valéria, e imagino quantos não se perguntaram quem é essa Valéria que ganhou uma música tão boa em sua homenagem?
E será que acabou? Que nada, tem troca de instrumentos entre vocal e percussão. As guitarras ficam mais pesadas, galera não para. É muita energia e a prova são as peças de roupas de frio que, pouco a pouco saem dos ombros para rodar nas mãos. E ainda tem participação especial do MC amigo “pra fazer o maracatu com rap”, diz Pink. O amigo consegue animar aquilo que já parecia o ápice. O som é tão intenso, que me perco: bato cabeça ou sambo no pé? Com Projeto Homem Bomba vale os dois.
O amigo sai de cena e vem a música que encerra um show que não deixou nada a desejar. Na letra, um chamado para se ver o por do sol. Na platéia, a vontade de dizer: “fiquem homens bombas. Toquem até o sol nascer”.
Mas ainda é noite, e ela não acabou. Mais uma intrigante intervenção, agora com “O Monólogo de Lucky”, do Grupo Solar. Olhada rápida na parede para ver o símbolo do Festival Canja escrito em luzes e sombras. No relógio, quase quatro da manhã,o que faz muita gente ir pra casa antes de ver o Grand Finale.
No palco entram quatro rapazes estilosos vindo de uma (longa e perdida) viagem de Santo André a Bauru. El Paso! vai tocar. O último show da noite começa com a música Mulheres Voadoras. Não vi mulheres voando, mas vi as baquetas de Rafael Cab voarem. Vi Anderson Ventura abusar das distorções em sua guitarra. Vi André Oliveira não só cantar, mas também solar a guitarra. Vi Oscar Santana dedilhar com prazer as quatro cordas de seu baixo. Aliás vi, com muito prazer a apresentação de uma banda que toca com e por prazer, e sentir isso de um músico não tem preço.
Entre letras que falam de ódio e amor, meus ouvidos despertam para frases como “a queda não tem altura” e “ao menos justifique a mudança”. Música tocada que toca a gente, outra coisa que não tem preço.
O número de pessoas vai diminuindo, o frio vai aumentando, mas a explosão daquela bateria não deixa meus pés ficarem parados. E quando penso que sou a única resistente ao sono, ao frio, e ao horário vejo sombras na parede se contorcendo. Mais gente está curtindo, mais gente curtindo com prazer aqueles rapazes que tocam com paixão.
O show chega ao fim e o papo rápido com Oscar só confirma minha teoria do “prazer desses caras em fazer música”. Em poucos minutos, o baixista fala três vezes “a música acima de tudo”.
Entre esperas e perguntas, a resposta é realmente: música acima de tudo.
Vibe energética - El Paso!
Fotos e texto por Bruno CristophaloEl Paso. O nome me chamou a atenção, pois eu curto muito uma banda de lá e achei que pudesse ser uma das influências. Mas isso é assunto pra outro post...
Começando o show da banda de Santo André, percebi que na minha frente havia uma energia forte. Melodias bem construídas, com ritmos às vezes fora de compasso e cheias de quebradas ditavam a pegada da El Paso.
As letras as vezes dramáticas demais e o vocal talvez tenham me desanimado um pouco, mas o que me prendeu mesmo foi a musicalidade intensa dos caras. Tocavam com um sorriso no rosto, mesmo com poucas pessoas resistindo ao horário já tardio e ao frio que já começava a bater no Jack.
“O som acima de tudo”, com as letras servindo apenas para preencher todos aqueles riffs que mudavam de cadência a todo instante, atrapalhando o ritmo das cabeças e pés batentes que acompanhavam o quarteto em frente ao palco.
Queens of the Stone Age é o que faz a cabeça de todos eles, me contou o baixista
Rodrigo “Oscar” Santana, alguns minutos após seus dedos frenéticos pararem de galopar as quatro cordas de seu instrumento. Achei massa e percebi que aquela guitarra que crescia durante as músicas levando tudo consigo me lembrava algo.
O último acorde chega e a alegria dos quatro continua lá, o agradecimento sincero encerra a apresentação e a André Oliveira, Anderson Ventura, Rodrigo Santana e Rafael Cab, os membros da El Paso, ouvem os aplausos de quem ainda estava lá curtindo o som.
A movimentação se encerra por um breve instante.
Desce a cortina e o ska volta aos PA’s para encerrar a noite Vibe do Festival Canja 2011, a primeira que rolou no Jack Pub.
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