Lourenço Mutarelli na Unesp – “Ver um filme como se estivesse preparado para sonhar”

27 de abril de 2012
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Texto e foto por Renan Simão

Após ver os filmes “O Cheiro do Ralo” e “O Natimorto” e saber da natureza sórdida dos quadrinhos de Lourenço Mutarelli, esperava encontrar um velho arredio e introspectivo para o bate-papo da última terça-feira na Unesp-Bauru. Fumando um Marlboro vermelho ele anteciparia com um breve sorriso que, apesar de ter escrito algumas estórias de origens autobiográficas, mantém uma distância dos personagens: “não tenho nada a ver com eles”.

(Ao cumprimentá-lo, olhei o verso do maço que fumava. Não resisti. Advertia: ”Fumar causa câncer de pulmão”).

“O Natimorto”, filme exibido pelo CinePet, é a adaptação de “O Natimorto – Um Musical Silencioso” livro do quadrinista e escritor, e narra as relações doentias de um agente de talentos (Lourenço Mutarelli) e sua cantora-musa (Simone Spoladore) em um quarto de hotel. O fio da narrativa são os maços de cigarros e as mensagens de advertência atrás deles que, segundo o agente, cruzam sinais de cartas de tarô e podem ser um presságio do seu destino. A cada dia, um símbolo trazendo paranoia, ansiedade e misticismo move a relação obsessiva do casal. O cigarro e o seu sentido contido nos maços andam lado a lado com uma atração doentia dos personagens, todos na mesma condição de vício.

No entanto, durante a exibição do filme, podia-se ouvir risos do público, reforçando a advertência de Mutarelli antes do início do longa: “Não se esqueçam de que o filme é uma comédia romântica”. Lourenço diz isso pois o livro tem natureza tragicômica e esse efeito, em poucos momentos, aparece na trama em forma de diálogos irônicos.

A exemplo de “O Cheiro do Ralo”, outro filme em que atua e tem roteiro adaptado de um livro de Mutarelli, os protagonistas são guiados pelas obsessões. A ver: a Bunda (com B maiúsculo mesmo), o cheiro do ralo, o olho, os maços de cigarro, o tarô, o sexo. Todos aparecem como elementos protagonistas das histórias que guiam seus personagens principais à decadência moral ou existencial. “Eu tenho mesmo um apego à personagens problemáticos e repugnantes, mas enfim, essa é a nossa condição, né?”, afirma, retórico.  

Ao final, como em todo bom filme, poucas respostas e muitas interpretações. Somente resta a sensação de que devemos construir melhor o filme e deixar-se levar em suas possibilidades de interpretação.

“Sempre gosto quando outros veem outras relações que eu não vi. A minha obra é aberta, é experimental. Gostaria que entendessem o que faço como alguém já disse um dia: ver um filme como se estivesse preparado para sonhar”.


Parêntesis:

(O texto acabou, mas fique calmo, caro leitor. Em outro texto que vai sair logo mais, vamos falar da vida do Lourenço, de sua obra em HQs, Transubstanciação, Maurício de Souza, Angeli e Glauco, começo, literatura, filmes, Nanquim, código de barras e a vida. Não perca por esperar).

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