Em tempos de marchas a favor e repreensões contra, a maconha dificilmente é tratada pelo cinema como elemento coadjuvante de um filme. Por vezes caminha tão somente pela simples ideologia panfletária ou pelo afã do politicamente correto. Uma exceção a essas regras é o filme Quarta B (2005), exibido na última terça-feira dentro do CinePet da Unesp-Bauru. Abordando o tema controverso com humor, Quarta B fala mais de aspectos da natureza humana do que da cannabis em si. Após a sessão, Flávio Queiroz, 2º assistente de direção do filme, bateu um papo com os estudantes presentes.
Por Renan Simão
O filme
Diretores de uma escola primária da quarta série convocam os pais dos alunos para uma reunião em pleno domingo. O assunto: foi encontrado um pacote (muito grande) de maconha na sala, er, 4ª B. A partir daí o diretor Marcelo Galvão trabalha os estereótipos de pais (e seres humanos) que todos imaginam: a perua rica, a depressiva, a mãe “perfeita” que não sabe que o filho é gay, os pais idosos, o pai bicho-grilo, o pai politicamente correto e preconceituoso, o nerd, o psicólogo, o zelador pobre e negro, o diretor de baixa auto-estima, e outros mais... Todos reunidos nessa sala. Cada um tem um embate com todos os outros, sempre acusando o filho alheio de ser maconheiro. Até que por alguma razão (divertidíssima) os pais decidem fumar a maconha e ver o efeito. Daí em diante as relações mudam e revelações sobre as vidas dos envolvidos começam a ser abordadas.
De maneira inteligente, Marcelo Galvão consegue prender nossa atenção somente com diálogos. Com três câmeras na sala movendo-se nervosas a cada fala, sempre mirando os rostos dos atores, o filme se torna ágil. Os cortes bruscos e certeiros foram frutos de uma edição de se admirar. Foram seis dias de filmagem, 12 horas por dia, três câmeras. Faça as contas.
Com orçamento baixíssimo (R$ 30 mil, é tipo... nada), sem apoio de editais do governo e tirando tudo do bolso, a produção teve na improvisação seu maior trunfo. “Nós não tínhamos grana para uma trilha sonora própria, aí o Marcelo descobriu na internet alguns direitos autorais de temas do Tchaikovski por 300 contos (risos). E até hoje a música do filme é elogiada”, conta Flávio Queiroz.
Outra situação inusitada é a invasão do set de filmagem pela polícia, que é usada no filme. Após denúncias dos vizinhos, a polícia queria prender os “usuários film-makers”. “Foi apenas um mal entendido que no final só ajudou no filme.A gente perdeu muito tempo, é verdade, mas o ambiente até ficou melhor”, esclarece Flávio.
Para segurar somente com diálogos um filme de 90 minutos não é fácil. E talvez seja nessa dificuldade que aparecem os erros e acertos do filme. Os trunfos são as transgressões de cada personagem, mostrando suas fraquezas e desejos mais escondidos. O fracasso profissional, alguma tara sexual, um amor não compreendido. E em alguns desses difíceis campos do roteiro, o filme perde a velocidade do início e às vezes não sai do lugar, alguns temas ficam batidos. Contudo contém um(alguns) final(is) surpreendente(s).
Quarta B é simples, criativo, e feito sem dinheiro. Um genuíno filme B.
O bate-papo
Foi uma boa conversa com o simpático Flávio Queiroz. Falou de aspectos da produção do filme, cinema nacional e editais do MinC. Mal filtrando a conversa, destaco três links de filmes indicados pelo Flávio e uma frase do nosso convidado que é quase um “Always protect yourself”. Segue:
Lado B (2007): como se fazer um longa sem grana no Brasil
“Se eu tenho alguma coisa para falar a vocês é: tenham o seu sustento. Essa vida de cinema é legal pelo sonho e até pelo glamour, mas chega uma hora que você se vê sem dinheiro e esse não é um negócio que dá dinheiro. Tenham algo fixo, alguma coisa para se sustentar e aí sim, batalhe para chegar no seu sonho.”
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