O (e)pífano

19 de setembro de 2012
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Por Renan Simão

O festival acabou (Festival Ilha Solteira de MPB 2012, 15 participantes, cinco finalistas, um grupo campeão – blá blá) e, logo em seguida, alguns universitários que estavam assistindo ao festival começaram a cantar uns sambas com um simples objetivo: não deixar a noite acabar. Pretos, brancos, outros brancos mais pretos do que brancos e outros pretos quase pretos, mas não tão brancos quanto os brancos quase pretos tocavam e dançavam entorpecidos da situação. A pequena praça central, iluminada por intensa luz amarela, dava um ar de nostalgia. Gente sambando, canção e calor: elementos que o tempo não deixa morrer.

Cavaquinho, bumbo, chocalhos e um par de pandeiros eram os instrumentos usados, que, de tempo em tempo, passavam por diversas mãos sem deixar a bola cair. Como uma jam session do jazz, se o pecado da expressão assim permitir, os músicos se revezavam nos instrumentos entre uma cerveja e outra, entre uma paquera e outra, entre um samba e outro. E a toada perdurava.


Penso que deveria sair para dançar, mas a imagem da roda, tal qual uma sequência de frames improvisados e harmônicos destacando-se com luz em sépia, chega aos meus olhos perfeita. A satisfação da contemplação é maior. Pego uma cerveja.

De súbito, viro-me para o lado, e em uma parte mais isolada da praça, um estudante, vestindo um chapéu-panamá senta-se na marquise que circunda o palco e, solitariamente, sopra algo que parece um pífano. Abafado brutalmente pelos bumbos da roda de samba, o som do instrumento de madeira é sutil. Ele continua com suas imperceptíveis melodias e poucos o notam, entretanto sua expressão torna-se mais dura e concentrada: mesmo sozinho ele prossegue, tocar é o seu gozo. Às suas costas folhas verdes são jogadas pelo vento por toda a praça e, ao se encontrarem com feixes de luz amarelados, ganham aparência levemente rosada. Cabisbaixo, o jovem toca.

Volto a olhar a roda de samba e sua onipresença. Recosto-me.

Retorno ao pifanista. Justo ao seu lado, uma japonesa com cabelos estilo dread locks senta-se à marquise e o encara por quase meio minuto admirada e séria. Ele com o corpo virado para o centro da praça e ela mirando o perfil dele. O par tem sua redoma criada, um universo particular já assimilado por ambos em segundos. Ela fecha os olhos. Ele, lento, de esguelha, a enxerga sem cessar a melodia e fecha os olhos, vagaroso. Sem tirar o pífano da boca, ele levanta a cabeça, respira um mínimo de ar para gerar o silêncio necessário de retomada da melodia, mas não o faz, sustenta a ausência de som, detém o vazio. Quando ela finalmente treme as pálpebras e hesita... Os ventos voltam a soprar das árvores, o calor exala supremo dos corpos, os sons voltam a ter cor, movimentam-se, os bumbos estouram, as palmas ecoam, o samba renasce e o pifanista segue com sua surda melodia.

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