O grito começou: Segunda parte

28 de fevereiro de 2011
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Era o segundo dia de Seletiva. Pra mim, que não estive no primeiro por motivos técnicos- meteorológicos, a estréia. Um público a vontade esperando que a primeira banda entrasse no palco e mostrasse o quão eclética podia ser a noite de Seletivas entre seus rocks, reggaes e blues.

Estação Primeira de Bluseira
Um som familiar começa a evadir- se do palco. “Punk Bresters?” Não, cara. É o Verídico mas essa é outra pegada. O Estação Primeira de Bluseira é muito mais do que o nome sugere, é mais que samba com blues é um...”Qual é o seu estilo de repertório, Verídico?” Ele complica “Na verdade, a gente toca o que a gente gosta.”
Entre solos de flauta (!) e gaita escorregadias Verídico, Ricardo, Danilo e Fabrício mostravam em suas referências um gosto vindo do popular que vem de BB King a Jorge Ben, de Chico Buarque a Eric Clapton, como se viajassem do Bronx pra Lapa num piscar de olhos. Depois da surpresa, sem espanto vem uma homenagem autoral a Raul Seixas. Nada mais justo.
Entre músicas nacionais e internacionais, um público exaltado, e contido entre gritos e sussurros e um backing vocal a La Ray Charles as referências não param de surgir do palco. Uma citação a Tim Maia, Doors tímido em um “Light my fire” na camiseta do vocal, óculos verdes a La Bono Vox, olho grego e Heineken na mão.
“A gente não arrasou com a galera, mas aqui eu vi que tem muita gente que conhece a banda.” Conta Verídico como se justificasse as poucas palmas a cada música que não pareciam mostrar menos entusiasmo de um público que já se esbaldou com seu som nas repúblicas mais fervorosas de Bauru seja como Estação Primeira ou como Punk, seja com seriedade de artista seja com devaneio rock star.
No intervalo momento de lotação no fumódromo e frustração no bar- poucas opções de cerveja em um cardápio repleto. Vi coisas estranhas. Mais estranhas do que um imã gigante no teto do Jack Pub em que tampinhas subiam compulsivamente auxiliadas pelo barman. O mais anormal foi ver na pista três pessoas engravatadas com monitores na cabeça. “WTF?”. Só falando com os responsáveis pra saber. Mas voltemos às bandas.

DOS
Uma sombra misteriosa projetada por trás do palco mostrava as silhuetas frenéticas dos músicos e causava dúvida sobre sua origem luminosa. Na verdade não era sombra, mas seus contornos em reboliço, com um leve delay davam um sentido a movimentação.
Esse foi o resultado da performance da banda DOS após um início dramático- em que os músicos ficavam de costas - e de gritos que vinham das profundezas de uma garganta já judiada.
Eram vocal, baixo, guitarra e bateria como era de se esperar e como quase sempre é, mas dessa vez o público foi mais delirante e como num “ola” balançaram juntos suas cabeças frenéticas .
Eles pareciam ter um público cativo, apesar do rock específico. O Trash Metal deve mesmo agradar os bauruenses. Finalizaram com um elogio a estrutura e ao som, provavelmente ótimo vindo da experiência de shows undergrounds falidos que músicos em começo de carreira se sujeitam a todo momento.
No camarim, Satã, Leandro, Vitor e Cowboy. As caras simpáticas e as roupas não em demasia pretas não davam a pretensão de que a paulera do palco vinha dali. “Nível das bandas tá excelente!” diz o guitarrista orgulhoso. “Sem preconceito!”, conta após uma tentativa de definição da sua música, “A gente não define nosso som. Grind Core, Trash Metal, Rock anos 90...” Explica o baixista Leandro.
Novamente, os monitores agora menos formais entram entre o público na hora da troca de bandas. Os computadores dramáticos agora com uma mulher entre os seus começam a interagir com o público enquanto um deles faz um pole dance frígido e abrangente no meio da pista.

Kaspar Horse
No mesmo intervalo e cansada de tantos monitores encontrei a Amanda. Sim, a Amanda fotografa do Enxame. Era ela a próxima a subir no palco pra cantar e tocar baixo, mas não mostrava preocupação. Perguntei qual era a diferença dessa banda pra Bonequinho, a outra banda de som pesado que eu já conhecia pelo namorado dela. “Ah, nessa aqui eu canto e ele toca batera.” Entendi.
No palco duas mulheres. Amanda e uma guitarrista com cara de menininha que não mostrava nenhuma doçura na hora de incendiar a guitarra, como numa meiguice subversiva. A língua ininteligível do Guitar Rock mostrado por elas (e eles), tinha aquele estereótipo trejeitado de bandas de rock. Cabelo na cara, roupas pretas, mãos frenéticas, mas o público parecia um pouco mais parado.
No fim da apresentação a notícia “Vocês ainda tem 5 minutos”. Uma saidera improvisada com sensação de repetência foi o resultado. Amanda fez o que queria, não mostrou preocupação com ganhar ou perder aquela noite “Vejo como uma oportunidade de tocar, na real. Mais espaço.”
No intervalo o dj colocava de Smahing Punpkins a The Monkees. Tudo dependia da banda que saia do palco e da vibe que ficava na galera.
E mais uma vez ali estavam os monitores aguçando minha dúvida sobre qual a sua pretensão com aquilo. Agora mais voluptuosos e mais unidos portando algo parecido com uma placa de CPU. Dois monitores brigam por ela numa cena grotesca de novela mexicana.
Tinha chegado a hora de saber qual era a deles. Falei com dois dos atores da apresentação e fui clara “O que vocês queriam com isso?” As respostas foram rápidas e subjetivas. Renato e Laís me explicaram que a Embaixada de Marte (não gostam de se identificar como grupo ou companhia) fizeram esse performance exclusivamente pra seletiva, mas não era a primeira vez deles em eventos dessa área. Na quinta- feira estiveram no Cacoffonia (festival promovido pelo Centro Acadêmico de comunicação da Unesp) com uma proposta parecida. Eles são ex-integrantes do grupo Solar e obedeceram a proposta de integração das artes tão difundidas nesses eventos.
“É uma cena extra-cotidiana, a gente queria a quebra da normalidade. Causar a reflexão. Mostrar dessa forma o pensamento quadrado, o senso comum das aparências contra o grito. O que as pessoas fazem para se enquadrar.” Espero que dessa vez todos tenham entendido.

Samanah
Quando a última banda subiu no palco a música não começou logo. “Galera, problemas técnicos! Alguém pode emprestar uma guitarra?” Demorou, mas a guitarra chegou e o público que implorava foi ao delírio como nunca nesta noite. “Fudeu os cara, só os parceiro vão volta.” Sugeriu um expectador inexperiente. Ledo engano. Quem tinha se dispersado voltou logo que a música começou.
Era reggae mesmo. No grito Rock, era reggae. E era legal. Parecia show exclusivo, o público exaltado se concentrou na frente da banda e até aumentou o calor do lugar, que por algum motivo começou a abrigar beijos simétricos na pista.
Os instrumentos eram basicamente os mesmos, mas agora com uma percussão conduzida com um chapéu peruano. O som limpo e simpático vem logo. Após a introdução instrumental: “Boa Noite, nós somos a banda Samanah.”
O vocal agradecia a todo o momento a empolgação e merecia o agradecimento. No fim um Samba Rock fechava a noite, que só terminou pelas regras da disputa não menos questionadas pelo público insaciável pedindo bis que exclusivamente acometeram o Samanah, seguidos de vaia à reprovação do pedido. As pessoas só saíram da pista quando a cortina baixou e ainda assim, consternados.
Já aliviados e inflados com o sucesso da apresentação os caras estavam em êxtase no camarim, a galera do Enxame já estava lá e eu não pude deixar de perguntar como numa seletiva pro Grito Rock uma banda de reggae foi tão aclamada. “É uma mistura, o reggae é a nossa escola, mas tem de tudo e deu nisso.” A banda fala simultaneamente esclarecendo um pouco.

Como era de se esperar o público não mente na empolgação. No fim da noite o anúncio dos dois vencedores da seletiva. Muitas pessoas já tinham ido embora como se já soubessem o resultado, outras esperavam na fila gigantesca do caixa.
Tive que sair antes do anúncio, mas da porta eu ouvi duas pessoas conversando. “Deu DOS e Samanah.” Surpresa? Um pouco. Mas o público não mentiu, vibraram e fizeram a causa da agitação ir mais longe. E vamos ao Grito Rock!