Esse texto não é sobre tristeza

26 de abril de 2013
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Texto e fotos por Higor Boconcelo

“Pode entrar, estão todos lá pra cima”, anuncia o simpático porteiro. Pra quem chega de supetão, tal calmaria em meio ao caos da cidade assusta. À direita, um vasto terreno com árvores, barracões e bancos de madeira – vista agradável aos olhos. Em frente, uma grande capela. À esquerda, pavilhões com escritas que os identificam entre gênero me fazem lembrar onde eu estou. 
  
Dentro da programação do Boneco Gira Boneco, Festival Internacional de Teatro de Bonecos que a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) está promovendo em Bauru, houve espaço na tarde da última segunda-feira para que um espetáculo acontecesse na Vila Vicentina, asilo da cidade. 

 Construído em 1940, o abrigo atua sob a prática da caridade cristã, abrigando qualquer idoso necessitado que tenha mais de 60 anos, em regime de internato. A entidade realiza todo ano uma grande festa para arrecadar fundos, evento tradicional na cidade. É um dos únicos dias no ano em que os idosos veem o espaço lotado.

A peça estava sendo montada num salão em frente ao refeitório do abrigo, onde poltronas estofadas e cadeiras não menos confortáveis já estavam a postos, formando um grande círculo. Do espetáculo, apenas uma mesa com objetos cobertos em cima era o que precisava ser montado, o que já emanava mistério suficiente. Pouco a pouco, os idosos iam chegando.


Eram diversos, mesmo que não numerosos. Homens e mulheres das mais diferentes raças e idades iam se acomodando – enquanto uns lançavam expressões de surpresa e estranhamento, outros, acomodavam ali somente o corpo, não a cabeça, cujos olhos mostravam estar em outro lugar. Será que eram bons ouvintes como eram bons contadores de histórias?



"¿No lo entiendes? No hay problema"


A organização então os apresenta Wilson Ruiz de Castro, colombiano diretor da Cia. Titirimimo e mestre em artes cênicas pela Universidade Nacional da Colômbia. Com um portunhol que certamente não era totalmente compreendido pelo público, Wilson introduz sua peça, Sancocho de Cola.

O nome nada mais é que um prato típico da Colômbia, que reúne o rabo do boi e legumes em um refogado. O que teria a ver a receita com a peça, afinal? A ligação se dava por uma lenda do país que envolve o prato e três personagens distintos: Juan, Chuchu e Maria. A peça conta suas trajetórias e rumos pelo qual seguem em seu vilarejo, que carrega um espírito de egoísmo, vaidade e avareza. 

A técnica de Wilson consistia em manusear brinquedos típicos de sua terra natal: casinhas de cerâmica, animaizinhos de plástico e luvas desenhadas. A simplicidade ganhava a atenção de seu público de idade avançada, mas muito mais além dos instrumentos estava a capacidade de atuação do artista.

O colombiano levava os idosos aos risos e sustos com suas palhaçadas, gritos e expressões. Trazia os dispersos de volta para a realidade e os transportava para a de sua história, girava os cabelos, usava das
mais diversas macaquices para compor o conjunto de sua arte. Riram bastante. Ao final, quando o artista sai de sua mesa e roda no centro do círculo dançando, mostrando a arte de sua terra, prestam atenção –  mesmo  que já tenham visto de tudo na vida, não viram nada. O término segue com aplausos entusiasmados. 

Há de se imaginar que aquelas pessoas viveram e vivem dos mais diversos dramas em suas vidas. O fim de algo que, mesmo num curto momento, trás alegria, também é motivo de lamentação. Mas a esperança é o que mantém o sorriso de muitos naquele abrigo. Sem pressa, retornam para os seus afazeres. Alguns cumprimentam o artista, outro vai conversar com o simpático porteiro. A rotina dos idosos continuará, a vida seguirá – para onde já é questão de perspectiva. 


Quer visitar os idosos da Vila Vicentina? Não hesite, eles vão adorar! Saiba como pelo telefone (14) 3103-0055

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