Gilberto Gil, "Veta Dilma" e a Virada Cultural como evento político

14 de maio de 2012
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Por Gabriel da Luz 
Fotos: Maria Lansky

No dia 06/05 pude prestigiar um show de Gilberto Gil na Praça Júlio Prestes, coração da capital paulista. Eu estava dentre algumas das milhões de pessoas que acompanhavam o fim da Virada Cultural. Muitos ali compartilhavam de um sentimento dúbio: a alegria de ver o talentosíssimo Gil, ainda com tudo, e a incerteza sobre o veto da nossa presidenta em relação ao Código Ruralista (ainda chamado por aí de florestal, não sei por que cargas d'água). Era a Refazenda e a re-fazenda, toda.

Gil foi um dos fortes representantes daquela tropicália, movimento cultural que até hoje é componente fortíssimo da cultura engajada brasileira (se é que nossa arte ainda não é, em boa parte, tropicalista). Independente da conclusão que cheguemos sobre a legitimidade e o real engajamento do tal movimento, essa discussão toda que Schwarz e Caetano tentam desembolar há anos, vamos nos lembrar do seu caráter inegavelmente politizado e questionador (seja dos limites estéticos e comportamentais, seja das questões propriamente políticas). Não havia como ignorar os descomedimentos daquele estado autoritário e dos conservadorismos daquele Brasil - este? - ainda filho do esquema Casa Grande/Senzala e dos coronelismos e dinastias donas de estados inteiros. Pois, assim sendo, aquele mesmo Gilberto Gil, independente dos fios brancos, só poderia reagir de uma forma diante do descalabro do código florestal aprovado no congresso: se posicionando, já que a crítica e o posicionamento são elementos perenes d'um tropicalista.

Lá eu escutava: "Realce! realce! quanto mais purpurina melhor!". Ao mesmo tempo via algumas placas com as frases "Dilma, Veta Tudo" ou "Veta, Dilma" e ouvia um grupo de pessoas gritando a todo silêncio possível os dizeres das placas. Gil viu, leu, entendeu e inclusive recebeu no palco um cartaz verde com a óbvia mensagem. O técnico de palco logo se movimentou para levar o cartaz da frente do palco. Gil, fora do microfone, falava com um dos técnicos que estavam na parte de trás. Seria aquele o momento? Gil daria o grito para seu público? Não. Tudo o que ele pediu foi um copo d'água, ele tinha sede, e aquela sede poderia lhe matar.

A Virada Cultural não é um evento apolítico. A rua é uma escolha política. Assim como o é a opção por unir universos tão afastados - pornochanchadas, orquestras sinfônicas, pole dance, rock psicodélico, emocore.

Sei que a política não reside apenas nos atos de óbvio conteúdo e é claro que o show de Gil é político de outras formas, quando faz apologias diversas à paz e ao amor ou mesmo quando puxa um forró e age sobre as travas e os tesões da platéia. Mas em certos momentos precisamos de palavras mais claras e diretas, mais conteúdo de protesto. Nem todo conteúdo é automatismo ideológico.






















Se Gil conseguiu reunir um mar de gente pra entoar alegremente suas canções, por que é que não disse algo sobre o Código? Se eles estavam ali pra ouvir suas músicas sei que ouviriam também, com a mesma atenção e dedicação, seus clamores pelo veto presidencial.

Só sei que Gil não tocou no assunto. Guilherme Arantes, sim, num outro palco e Alex Atala, que optou por uma decoração Veta, Dilma pra sua barraquinha de Galinhada gourmet. Mas Gil e muitos outros, não. Não se sabe até que ponto ele tinha algum impedimento para exigir o veto - o partido de Kassab é pró-Código e a Virada é realizada pela secretaria de cultura da cidade. Mas dessa forma todos estariam impedidos, não? Ou pode ser que o músico tenha simplesmente optado por não se posicionar.

Mas o que significa optar por não usar uma arma tão poderosa quanto a fala? Poderiam dizer que se tratou apenas de uma performance apolítica. Mas eu tendo a pensar que a opção apolítica não existe. Não engajar é o que há de mais anti-político nas capacidades humanas. O engajamento deve existir na prática diária, no trabalho, nas conversas. E nos shows de música, sim.

Antes do fim do show tive que me espremer por entre os espectadores pra não perder meu vôo de volta para Belo Horizonte. Desde aquela desvairada correira até a chegada em minha casa em BH eu convivi com um fiapo de ansiedade que me pinicava: será que Gil iria, até o fim do show, dizer algo sobre o código ruralista? Queria chegar em casa e ter essa feliz surpresa. Mas não houve nada.

Num próximo show estarei lá pra compor o coro apaixonado de suas músicas. E dançarei com o corpo solto e feminino, porque vejo aí um importante ato político da sua arte. Mas não vou me conformar se os artistas em que confio não se manifestarem mais claramente diante dos nossos protestos mais urgentes.


Sobre Caetano e Schwarz: 

…e a discussão continua.




  1. É preciso entender o significado, também político, dos silêncios, Gabo. Mesmo porque os silêncios às vezes falam muito mais que as palavras. De fato é de se estranhar vindo da parte de um cara ligado ao Partido Verde [se bem que ser do Partido Verde em si não quer dizer muito no Brasil], mas ele - quem sabe - tem suas dúvidas? Se vc não está com a cabeça feita é melhor ficar calado, não é?

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