Entrevista: Lucas Santtana

28 de maio de 2012
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Por Renan Simão e Sérgio Viana
Fotos de Sérgio Viana com exceção da foto 3, de Renan Simão 


Durante a Virada Cultural Paulista de Botucatu, o e-Colab conversou com Lucas Santtana. Um dos destaques da nova geração da música brasileira, Lucas transita entre artistas como Céu, Curumim, Instituto e Do Amor com participações e composições. Mais que isso, ele se firma ainda mais como artista pop após o disco bem recebido pela crítica "O Deus Que Devasta Mas Tem Cura" (2012), com no mínimo 5 músicas fáceis para assoviar e cantar. Meia hora antes do começo do seu show, sentado na poltrona do teatro Paratodos em Botucatu, Lucas Santtana conta sobre os processos de criação e produção de seu disco, da importância da rádio na música popular, hits, de Caetano e Gil e as grandes gravadoras, pesquisa musical, da música para e com o seu filho, do incentivo do Estado para a música e do livro mais incrível de sua vida: Grande Sertão Veredas. Confira a entrevista a seguir e ao final as fotos do show.


Sérgio Viana: O pessoal fala muito na inspiração do seu disco, que fica muito naquela história da sua separação, mas ouvindo o disco não é só isso... Tem "Jogos Madrugais" que é sobre videogame e "Ela é Belém" sobre a cidade de Belém, por exemplo. Como foi o método da criação pra construção do disco?
Na verdade o método de criação acontece de várias maneiras, não tenho um método que sempre se repete, assim. Uma coisa que se repetiu nos quatro primeiros discos é que todos eles nasceram primeiramente de ideias musicais. De querer trabalhar com Dub, do lance da mixagem do Dub, do universo do reggae né, jamaicano. No Sem Nostalgia (2009) eu queria fazer um voz e violão, mas que não soasse assim. Esse último [O Deus que Devasta Mas Não Tem Cura (2012)] foi o primeiro que nasceu das canções, eu fiz todas as canções num período curto de tempo e percebi que todas elas tinham uma coisa em comum e por terem sido feitas num mesmo tempo elas formavam uma família, elas eram um disco. E essa característica é justamente o fato delas todas terem uma coisa cronista, descrevem coisas que eu tava vivendo ou vendo, ser bem real assim ou bem próximo do real. Você faz um autorretrato. Aquilo é real, mas ao mesmo tempo já é outra coisa, mas enfim, baseado na realidade.

Sérgio: E "Pra Onde Irá Essa Noite" [balada romântica do disco], como é que foi? Curiosidade.
O “Pra Onde Irá...” aconteceu em São Paulo, e foi pra uma moça lá de sampa, mas, por exemplo, não foi exatamente como aconteceu. Aconteceu e a partir daquilo eu desenvolvi uma ficção do que seria se tivesse acontecido, sabe?

Sérgio: Você falou do estilo né, por exemplo, do Sem Nostalgia, onde você falou tais coisas. Cada dia é uma experimentação diferente ou você tem consolidado certas coisas. Porque ouvindo o último disco "O Deus...", particularmente eu o vejo como uma coisa bem mais densa, ele parece que tem uma estrutura mais consistente no sentido de que são músicas mais pesadas, que pegam o sentimento.
Não se isso vai ser uma coisa que vai permanecer nos outros discos, realmente nesse disco tem, como eu falei, esse lado de falar dos sentimentos, falar de um lugar mais dentro, pessoal, mais confessional, mais cronista. Como você falou não é só a minha relação, é falar de relacionamentos, de coisas que acontecem com qualquer um. Na verdade muita gente se identifica com esse disco por isso, porque toca coisas que elas vivenciam, já vivenciaram ou tão vivenciando. Não sei.

Todos eles são diferentes, todos acabam sendo contaminados por coisas ou universos musicais que eu tô vivendo naquele momento. Não da pra dizer se isso é uma coisa que vai sempre rolar, esse tipo de canção, de sonoridade. O Sem Nostalgia foi um disco que eu tive que me impor um limite, só podia ter dois instrumentos. Esse disco eu quis abrir usando sinfônicos, isso que você tá falando, dar esse peso, essa carga emocional.

Sérgio: Nessas respostas você já citou, por exemplo, Dub, música clássica, e numa entrevista sua pra Folha de São Paulo, o próprio jornalista não classifica você em nenhum estilo, MPB, Dub, eletrônico.  Você concorda, acha que seu som não tem mesmo classificação, você procura mesmo não ter isso? 
Eu não procuro não, mas como eu falei, em cada disco eu curto me aventurar em um universo musical, naquilo que eu to ouvindo, e pelo menos dessa maneira eu sempre to aprendendo, porque no 3 Sessions [in a Greenhouse, disco (2006)] tava rolando muita festa Dub no Rio e eu ia com meus amigos, e comecei a fazer uma pesquisa grande sobre música jamaicana.

Sérgio: Pesquisa que você fala é o quê?
É pesquisar, estudar, ir lá, buscar os nomes, sair dos nomes padrões e buscar outros nomes que você não conhece. De um nome você vai chegando a outro, enfim, você pesquisar mesmo, e correr atrás de todo aquele universo e fazer uma coisa meio voz/violão. Aí eu peguei todos os vinis e fui buscando coisas do Caetano, do Caimmy, João Gilberto, Baden Powell, Gilberto Gil, Germano Reis... Todos os momentos que eles estivessem tocando violão sem outro instrumento, sem estar cantando. Aí eu fiz uma playlist, fui montando um banco de dados. Aí eu fui pesquisando o tipo de microfone pra gravar voz, já que é um disco de voz e violão é uma voz que em cada faixa vai ganhar um tipo de sonoridade, textura diferente, enfim, é pesquisa mesmo. No "Who Can Say [Which Way]" usei um gravador de arame, que você grava no arame, é um gravador dos anos 50, aí a voz fica bem crua, saturada, e isso dá um timbre diferente. Enfim, é pesquisa mesmo, correr atrás do som.


Sérgio: Puxando para outro lado, hoje em dia não só você, mas outros músicos como o Curumim fazem muitas parcerias na hora de gravar. Como que se dá isso? Por que antes com as grandes gravadoras parecia que não tinha tanto isso entre os músicos. E como se dá isso na hora da gravação, você tinha sua música pronta, e eles inserem uma coisa deles... ou não, você já tem algo pronto?

Renan Simão: Você gravou com os caras Do Amor né, como é que foi?
Eles fizeram parte da minha banda desde o show do Sem Nostalgia. Quer dizer, o Ricardinho e o Benjão que fazem parte Do Amor, eles já tocam comigo desde o show do Parada de Lucas (2003), ou seja, antes do 3 Sessions. Eles tão comigo desde 2009. Então foi fácil gravar.

Na real eu acho que essas colaborações já rolavam. Se você vai no Youtube e digita João Gilberto e Rita Lee tem uma música; Gilberto Gil e não sei quem, tem uma música. Mas acho que eram menos colaborações, todos eles já tinham nome, era outro momento da música popular, já tinham uma certa consagração. Aí dificulta porque aí vira um  encontro do consagrações. E na nossa geração não tem muita gravadora, então esse glamour todo se perdeu um pouco, não existe muito isso, todo mundo é meio operário.

Sérgio: Isso é positivo?
Acho isso extremamente positivo, porque todo mundo fica focado na música, ninguém perde tempo com glamour, tipo "ah, eu quero que o camarim seja todo verde", essas frescuras assim, não tem nada a ver com música, é só loucura pessoal mesmo.

Sérgio: Num outro texto de um jornalista da Record que ele critica um pouco essa nova geração da música brasileira, que apesar de fazer música boa, ele reconhece, não é uma música que todo mundo ouve, não é uma música que toca em rádio, que vai pra TV...
Isso é uma questão central da nossa geração, porque nossa geração, a meu ver, a gente compõe músicas populares também. Tipo o Curumim que acabou de lançar um disco, e tem uma música chamada “Princesa” [sic]. Parece do Roupa Nova de tão hit que é a música, aquela música que se botasse na rádio, na novela, viraria hit.

Renan: Também tem aquela lá do Curumim, “Passarinho”, que parece muito Roberto Carlos.
É essa que eu to falando. Não é “Princesa”, é “Passarinho”, viajei. E é muito bom, é muito hit. Sei lá, um disco da Céu, meus discos, sempre tem músicas que poderiam ser hits radiofônicos. E aí a maneira como “Leãozinho”, ou sei lá, “Andar com fé”, do Gil, acho que essas músicas em nível de letra, melodia, são do mesmo nível, tem potencial pra ser hit, a questão é que na nossa geração não tem rádio. O rádio já era comercial, e tá cada vez mais difícil, então foi criado um gap dessa geração. Essa geração tem músicas que são extremamente radiofônicas só que elas não entram no subconsciente coletivo, por uma questão mercadológica, não tem mais a gravadora pra pagar aquela grana pra aquela música tocar.

Porque talvez na época do Caetano e do Gil, se não tivesse a gravadora que pagasse jabá pras músicas deles tocarem, talvez muitas dessas músicas não tivessem entrado no subconsciente coletivo. Porque o rádio no Brasil ainda tem esse poder muito grande, sempre teve, então essa geração só não é popular porque o rádio faz esse bloqueio mercadológico em termos de grana. O problema não são as canções.

Sérgio: É lógico que a internet é a principal ferramenta que vocês usam pra espalhar o trabalho de vocês, mas o que vocês fazem além da internet?
Tem rádios que tocam, mas são poucas. Elas também tocam espaçadamente, não tocam todo dia, então fica difícil daquela música pegar no rádio. E na verdade acaba que a geração que faz todos os programas de TV, que faz o Jô Soares, o Altas Horas, em termos de imprensa também, na verdade, essa geração tem mais respeito e mais espaço do que a geração mais velha. E na verdade a questão é de fato o rádio, e o rádio é tão importante que, eu vivi uma experiência tão importante a última vez que eu fui ao Altas Horas, que foi muito claro nesse sentido.

Porque eu fiz um programa com o Chiclete com Banana. Eles tocaram os hits deles, e o estúdio só tinha fãs do Chiclete com Banana, a plateia vinha abaixo toda vez que eles tocavam. E toda vez que eu tocava, tinha acabado de lançar o Sem Nostalgia, as pessoas aplaudiam, mas era aquela coisa tímida, sabe? Aí no final do programa o Chiclete com Banana falou: "ó, a gente vai tocar uma música nova, que acabou de sair", ou seja, uma música que não tinha tocado no rádio ainda. O estúdio parecia um túmulo, um cemitério. Acabou a música as pessoas aplaudiram tipo, nada. Aí eu pensei: "ah, até o Chiclete com Banana, com fã clube, os caras tinham tocado só hit, aí os caras tocaram a música nova e os próprios fãs..." Pra você ver como a rádio é importante, sabe? Mesmo você sendo uma banda de sucesso, mesmo você estando na TV, se você toca uma música que não tá na rádio, o impacto não vai ser o mesmo, porque a rádio é muito poderosa no Brasil.

Sérgio: Para vocês mesmo, da nova geração, esse conceito de sucesso passou por uma mudança...
Claro, todos nós gostaríamos de tocar no rádio, e que essas músicas ficassem pra mais gente, todo mundo gostaria. Quando você faz uma coisa, você quer que todo o público te veja.

Sérgio: Você tava com uma turnê na Europa, o que você aprendeu? Como você acha que os caras de lá veem a música que vocês fazem?
A rádio lá fora é muito diferente daqui. Porque a rádio lá fora não tem jabá, ou se tem, tem em rádios específicas. Na verdade as rádios nacionais, a Rádio Nova, Rádio France em Paris, a WTR na Alemanha, quase todos os países tem a rádio nacional muito forte, e a população escuta essas rádios nacionais, porque a programação é boa, eles tocam o que eles querem. A BBC em Londres também... Eles tocam música do mundo todo, e as pessoas gostam de ouvir rádio. A própria população tem uma exigência estética: "eu gosto de coisa de qualidade". Então tem essa diferença. A rádio toca o que ela gosta, então, por exemplo, a gente fez dois shows em Paris, e os dois shows foram lotados, porque a rádio ficou tocando nossas músicas semanas antes, porque eles quiseram.

Sérgio: E você acha que lá, a música brasileira, não a antiga, a Bossa Nova, vocês acham que são bem vistos lá?
Acho que eles tão acompanhando bastante essa geração nova, da gente. Essa geração hoje em dia é um pouco deles. Lá eu dei entrevista pro Le Monde e pro Les Inkorruptibles, e eles acham que nós somos os herdeiros da tradição toda do Caetano, do Gil. Eles enxergam essa geração como a que está mudando essa tradição de música popular.

Renan: Voltando ao seu disco, a música "O Deus que devasta, mas não tem cura”, que você fez com o Gui Amabis, eu queria saber como foi a composição e a intenção de colocar a música no seu disco mais iluminada, diferente da versão do disco do Gui, que é mais pesada, mais triste.
É porque o disco do Gui é todo mais triste. Na verdade quando eu fiz essa música ele me deu uma base e pediu pra eu fazer a melodia, e a base dele já era muito triste, lenta e tal, e quando eu fiz essa letra foi logo depois de eu ter me separado, então eu tava triste também. E quando eu cantei no disco dele eu estava próximo de um sentimento de tristeza. Quando eu gravei minha versão, muito tempo depois é como se eu tivesse olhando aquilo com distanciamento. E eu sabia que a música ia abrir o disco, porque foi por causa dessa música que eu fiz todas as outras músicas do disco, com esse tom mais cronista. Tudo nasceu depois que eu fiz essa música, então eu sabia que ela ia dar o nome e ia abrir o disco, então eu já fiz ela num BPM mais rápido, pra não começar o disco muito arrastado e chamei o Letieres [Leite] pra fazer os arranjos. Então foi uma versão mais distanciada mesmo, por isso ficou diferente.

Renan: Queria saber daquela música "Dia de furar onda no mar" que fala sobre os seu filho.
É eu fiz pro meu filho [Josué]. No processo de composição a segunda parte da letra eu ainda tinha que fazer e eu fiquei pensando no que fazer e me lembrei de um livro que eu e a mãe dele sempre líamos pra ele, que a gente ia anotando as definições que ele, o livro, ia dando de palavras...

Renan: “Incidência é um pequeno incêndio...”
É, e eu ia usando definições dele e das que o Josué falava e eu ia usando na letra as falas dele. Então ele virou meu parceiro na música. Além de ser pra ele a música e pros meus dois sobrinhos, que são o Mateus e o Joaquim, dos meus dois irmãos.

Renan: É uma forma de registrar o momento dele? Acho que você deve ter tido a lembrança de ter saído com o seu filho pra praia e brincar. Isso seria uma maneira de registrar um momento de pai e filho?
Com certeza, cara. É, falar de coisas que a gente viveu, ele ficava me questionando porque o mar tem tanta espuma, né... Ou a gente foi ver o Príncipe da Pérsia e ele falou: “Se eu tivesse nessa época eu nunca seria o rei, porque o rei sempre é vitima, porque todo mundo quer matar e ganhar o lugar do rei”. O meu filho queria uma coisa mais simples que não estivesse que ficar na mira, né. Enfim, é uma maneira de você registrar o momento de coisas que a gente viveu pra no futuro aquilo ali de alguma maneira estiver registrado.

Renan: Eu sempre entro no seu blog d'O Esquema e tem uma frase lá do Guimarães Rosa: "O que deus quer da gente é coragem". Qual a sua relação com o Guimarães e como ele pode te influenciar?
Eu gosto muito. Não li tudo, mas li Primeiras Estórias e Grande Sertão Veredas, e esse [último] foi o livro mais incrível que eu li na vida. Eu vivia com ele na cabeça. Durante o dia eu saia pra rua resolver as coisas e ficava na cabeça, quase que tinha duas realidades, me sentia como um cangaceiro. Era muito forte. E no meio de bilhões de frases lindas do livro, que apesar de ser uma prosa tem uma essência poética, uma frase que me marcou foi essa: “O que deus quer da gente é coragem". Tipo, é uma coisa que eu sempre falo pra mim mesmo, de ter essa coragem. Às vezes você sabe que as escolhas que você fez pra sua vida não vão ser as mais fáceis, pro seu trabalho... Mas são aquelas que são verdadeiras pra você, sabe, sinceras. Então, vale a pena correr o risco.

Renan: O seu disco foi contemplado por um edital da prefeitura do Rio e ganhou incentivo financeiro. O que você acha de iniciativas do Estado para estimular a música?
Na minha geração não tem mais gravadora, não tem mais nada... Então qualquer apoio público, editais, é importante pra gente pra disponibilizar a produção. Acho que não é suficiente pra produção que é feita, mas é sempre bem vinda.



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