Nem de todos se faz uma Virada

8 de maio de 2012
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Por Sérgio Viana


Praça da República. Aproximadamente 15 minutos para as duas da tarde. Muita, muita gente - jovens, adolescentes, garotas, caras, hippies, rappers, metaleiros – lotam as ruas. Se inflamam diante do palco ou simplesmente assistem às apresentações de braços cruzados, balancê de cabeças, sentados sob uma sombra que amenize o calor.

Com uma carona garantida para as 14:30 decido não ficar até o final. “Acho que já deu pra mim”. Desço à estação do metrô. Mais fria, barulhenta e lotada do que lá fora.

Dá pra perceber que muita gente, como eu, não mora na capital pela fila enorme da bilheteria de passagens avulsas. Tenho meu cartão “Bilhete Único”, porque a pouco tempo tinha tido minha temporada acinzentada naquela cidade. Mas prossigo na fila dos comuns por achar que seria chato recarregar só 3 reais sem ter troco.

Impossível não se contaminar com toda energia paulistana. Uma fila pode ser um cigarro ou um maço inteiro, que permite pensar na vida de modo mais amplo, tirando um pouco a atenção dos probleminhas mais triviais.

Começo a entrar numa euforia contida, numa vontade de não ir mais embora, de curtir aquilo ao meu modo, único e só, até o final. A Virada me virou.

Saco o celular: “Fulana, vou ficar. Beleza? Beijo”. Mensagem enviada. Logo respondida. Minha carona já era.

Já que fico mais um pouco, saio da fila gigantesca que só tinha mais duas pessoas a minha frente e me decido pela recarga do bilhete. Já que eu nem sei bem pra onde vou.

Não era a primeira vez que entrava naquela estação, mas já fazia um tempo. Devido ao funcionamento de uma nova linha ela passou por reformas. Ampliaram o espaço e a confusão.
Observei um fluxo contínuo e percebi que devia ser por ali.

Ainda um pouco desnorteado, fui abordado por uma pequena senhora, acho que um metro e meio e olhe lá, mais de sessenta anos, sacolas na mão, óculos garrafais, que ela os tirou ao falar comigo fazendo com que seus olhos diminuíssem sensivelmente de tamanho. Tão perdida quanto eu, ela pergunta ofegante: “Moço, você sabe de que lado é o embarque?”. Vacilando na certeza... acho que é pra cá.

“Nossa, eles mudaram tudo aqui, tá muito diferente e tão lotado. Obrigada, viu? Agora eu já me viro”.

Penso que ousei ao dispensar a carona e para me precaver rumo antes à rodoviária pra garantir passagem. No intervalo das estações até o destino me esqueço de todo o rebuliço da superfície de São Paulo e fico imaginando, viajando, criando, quem seria aquela senhora.

Afinal de contas, para muita gente aquele era só mais um domingo. Dia de trabalho, de visitar um parente, talvez da pequena senhorinha ver o sobrinho ou uma amiga de décadas que mora no centro. E que ao chegar a hora de ir pra casa se depara com as ruas tomadas, talvez sem fazer a menor ideia do porque aquilo está acontecendo. A Virada nunca será de todos.

É bom demais poder aproveitar um pouco de tantas apresentações, ouvir tanta música, assistir espetáculos em lugares diferentes, ver tanta gente, tanta diferença, num lugar só. Mas também é valioso demais perceber que por mais diferenças que se unam, outras vão surgir, vão ficar mais a vista.

Na madrugada, caras de sono de quem estava ‘virando’ se confundiam com o pouco descanso de quem saía cedo de casa pra lida. Barzinhos, cuja especialidade é o salgadinho do preço, lotados exibindo o último show do DVD enquanto do outro lado da rua um palco vibra ao vivo. Gente apressada para não perder a sua atração principal, gente querendo garantir a passagem de volta, a fuga do Acabou, e senhorinhas domingueiras que só querem chegar logo em casa na tarde de domingo.

Eu espero que ela tenha conseguido embarcar com tranquilidade, que muitos tenham conseguido assistir ao show preferido, que vários folguem na segunda pra compensar a rotina malfadada e que haja a diferença pra se fazer observar. Que isso nunca acabe.

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