Fotos por Diogo Zambello
Texto por Aline Ramos
Bauru tem dessas manias de acordar a gente com o maior calor, prometendo o melhor céu que os baurilinos poderiam ver. No entanto o que vemos é um céu nublado, meio abafado. Bauru também tem aquele ar de garota misteriosa, se revela aos pouquinhos. Vai subindo a barra da saia, assim, meio lento, quase parando e quando a gente vê, opa! Bauru também é uma menina muito enrolada. Tira as bugigangas do baú todo domingo e vai a feira. Ou é a feira que vai a ela? Fiquei confusa.
Feira do Rolo. 10h?
Já tínhamos parado na barraquinha do pastel alguns minutos atrás. Bauru afastou os pés, encurvou o corpo para trás. O pastel estava pingando óleo, ia manchar sua roupa. Ainda assim valia a pena. Mas vamos lá, nos enrolar, que a feira começou de madrugada. Incontáveis cidades numa só, cada barraquinha uma Bauru diferente? Menina sapeca, levada, cada barraca conta uma história.
“Sabe esse relógio aqui? É da minha vó”, contou vantagem, um senhor com a pele queimada do sol. “Esses livros e discos, li e ouvi a maioria”, estufou o peito, exultante, um outro senhor de chapéu na cabeça. Cada um tem um causo, uma dúvida, um detalhe pra acrescentar.
- Moça, o que você faz pro seu cabelo ficar assim?
Eu deveria ter respondido que era o ar daquela menina levada, de nome engraçado. Respondi que era nada demais, um pouco de creme e secador. Espero que ela me perdoe.
Às vezes a gente esquece de Bauru, reclama dos buracos que ela fez quando brincava de carrinho com os bauruenses, quando mais nova. Diz que ela nunca nos chama pra sair no sábado à noite, mas quantas vezes ignoramos o seu telefonema? Falamos mal do transporte público, mas e aquela brisa perfeita pra passear de bicicleta sob a sombra de suas árvores?
Fiquei encantada com essa menina, ela me fez lembrar um amigo meu. Mandei um SMS pra ele, disse que ele tinha que conhecer como Bauru era enrolada. Ele iria adorar os discos de samba que essa menina coleciona. O pior de tudo, é que ele mora aqui perto.
Algumas bijuterias, baratas, bonitas, mas que pena, meus dedos são gordinhos, roliços. Aquele anel de coruja vai ficar pra depois. Só poderei aproveitar as corujas nos passeios de madrugada que faço com Bauru.
Logo ali tem um livro sobre a Índia. Acho que vou comprar, sempre quis ir pra lá. Mas essa menina enrolada não me deixa em paz, cada hora fala um preço pro livro. Sete reais, não, Sete reais e mais um disco. O moço me desculpou a confusão e me fez por cincão.
Estou ficando cansada, essa menina misteriosa cada hora me mostra uma coisa. Panela de pressão. Pra que que eu vou querer uma agora? Tem bateria de carro, enfeite de natal, parafuso, prego, sapato velho, brinquedo e celular roubado. Epa, shiiii, isso é segredo, ein? Essa parte do celular ela me contou no pé do ouvido. Mas todo mundo ouviu e fingiu não escutar. Ela também me mostrou o livro que conta a sua história. Estava ali, com as folhas enrugadas das chuvas que tomou. Mas ela me contava tudo com brilho nos olhos.
- Bauru, vem cá, me explica uma coisa. Porque você já tá indo embora?
Ela me respondeu com um sorriso emblemático e com toda a paciência, que já estava dando a hora do almoço. Que toda aquela gente precisava ir pra casa comer aquele macarrão de domingo com a família. Entendi perfeitamente, peguei mais um caldo de cana e me despedi. Ela me deu tchau, disse para eu voltar que ela estaria no próximo domingo ali, enrolada como sempre. Porque domingo sem feira, não é domingo.
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